primeiro a explosão
os cacos e os verbos
daí você come toda
a pólvora e brinca de
xamã em transe em
cima de mim
depois sai para
organizar os sentidos
na bestialidade
cotidiana
***
um poema dentro do desprezo
para jean-luc godard
um lábio
damasco
elétrico seu
ácido
já a noite contempla as estrelas
enquanto a ausência de deus
conforta o homem
ou isso ou nada
ou sons diferentes
em locais diferentes
o emprego do veneno
aparecerá
como ato final de
coisas intraduzíveis
disse que todo herói
é uma figura
de devastação
odisseia
700 e um, dois, três...
700
um lábio seu
damasco
não hesitar no
impreciso solário
(e pelo meio
explorar o desabitado
um
damasco
seu
lábio)
ela
penélope
ele
uliss
es
e tudo e total
uma invenção trágica
(aqui o olho se movimenta
de um lado para o outro
horizontalmente)
a razão não pode
dispersar a urgência dos
sentimentos
a razão e suas tolices
a razão e a morte
ela ulisses ele pené
lope ela psiquê
tropi
cal
ele eros eu
e tudo e total
uma invenção trágica
acredito
em pequenas
escavações
no mesmo azul
como quem
diz
silêncio
***
aquele dragão
amarelinho
que você alimentou
por tanto tempo
as cinzas
que já estão pelos
joelhos
a cidade em progresso
tanta coisa aconteceu
depois que achei que
entoar cantos
em vigília de mim
resolveria
alguma coisa
***
era apenas um buraco
ele escreveu lobo na tela
enquanto todos olhavam
para o outro lado da cidade
[o outro lado]
a distância da sua mensagem
dificultava a leitura
não que fosse longe
não que eu não estivesse
no lugar certo e que sempre
os dias fossem seus
pelo contrário
dentro do abismo via-se tudo
o mapa das palavras
articulações músculos e ossos
era quase um ritual
em voz pequena
não era longe eu disse
trazia nos espaços
o sabor daquele tempo
que aqui posso chamar de tudo
e que você pode chamar como quiser
lembro de ter lido a palavra tudo na
capa do jornal e de ficar circulando
as que você mais gostava
morango
geometria
latitude
gente
terremoto
também gosto da
palavra terremoto
mas era
[era apenas um buraco]
você disse
foi num verão desses com muita chuva
que na panela o resto de molho branco
vagava lento em espiral
uma via láctea
que lembrava um outro verão
não preciso
chegar ao fim
para saber o som
dos mortos &
dos elevadores
***
Guardo comigo seu último poema
Fala sobre segunda-feira e porcelanas baratas
E após ver cenas inéditas de Mário de Andrade em sua mesa de trabalho,
penso num momento posterior e frágil
Um ruído de avalanche rompedor das flautas andinas
Um anfíbio como melhor amigo que pede alhos para fumar ao sol do meio dia
Sua hesitação natural percorre possibilidades loucas
E aquele senador canalha que continua no senado
***
quando um quadro de mangueira
contra incêndio e um extintor
estão como uma obra de arte
ou quando tenho dúvida se seguro
o copo d’água ou a rosa vermelha
um festival de si mesmo
um agenciamento cósmico
de olhar para o não rosto
e destruir o tempo usando alicates
pré-históricos
bicho,
pega fogo
***
cidade ansiosa
mastigar as latas
e seus desenhos orientais
na sombra dos cabelos
e pântanos
devagar, luz dum dentro dela
a ferrugem amanhecida
anúncio de coisas cruas
(e)
olhar vão de espreita
tétrico lugar
ócio ácido da espera
amanhã
viagem turva
triunfo dos dias anteriores
no quadrado terral
a cabana carne descansa
***
aquele
olho
que dança
no
invisível
as palavras
de
rimbaud
aquele
hino
de todos
os
olhos
aquele
eixo
de
cavidade
aberta
pra mim
***
o lucro é perverso
o banco é pornô
o puritano tem ódio pubiano
& o juiz
ex cita as senhoras
católicas
_____________
Maikon Nery(Londrina, 1981)é designer gráfico, professor & poeta. Publicou de forma independente o livro "todos os deus são frutas profanas" (2017). Faz parte da grafatório edições e do coletivo gogoia.