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7 poemas de Rique Ferrári

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a viagem

primeiro corra até a janela, olhe através do vidro, a cidade em fogo-luz
acanhados quartos de pontos velados, raízes de velas ao chão

o serviço da chuva em almofadinhas de vento - faz frio
penso que desastre total das concepções
isto de nos vermos nos espelhos mas nos enxergarmos nas janelas; no colégio nunca comentaram a respeito

agora vá um pouco mais, para o lado de fora da janela
psicografando os restos de brisa, as fornalhas dos condescendentes e mutantes painéis de luz;mantenha o equilíbrio, ora na constelação de janelas ora no deserto de céu
- e que tanto

como as harpias 

destemidos do gélido e do fogo, iríamos chegar neste ponto, você sabe, é um convite:

pule

com sua face completamente escancarada na conjunção dos átimos de segundos, 
vislumbrando a gênese e os saltimbancos letreiros, os faróis trilhados e então a coragem

te leva

até a janela daquele amigo amedrontado pela leitura dos sinais presentes
até a rua onde franciscanamente você subiu/desceu raspando o limo dos muros,
quando criança;
lembra?
seus pais batizaram-no ederam um nome: - filho
e então sua avó ganhou um pequeno deus

as portas estão abertas

volte sempre.



onde o coiote não se esconde

não olhe para o sol
aqui ele é 10x maior e você morre

conexões com a turma do Homem
e os rabos solares chicoteando-nos

quando estiver triste, vá a este endereço:

porta verde, cachorro gordo na frente
velho artesão, ramalhete de pedras vermelhas, dois passos à direita

ouça o crack crack das rochas de sal
você pode apaixonar as tetas dos vulcões
ou dançar com os crucifixos aleatórios
por onde esfregam orações na grande pista desértica

grafitando as pedras, os grãos surfistas remetem à palavra ——-> go! 

(miragem ventriculada)

satisfação na sunga seca do meu tempo:
sobre os lindos flamingos da terra, encanta-me ver apenas seus mosquitos

como se um quadro multicolorido pudesse realinhar os órgãos de meu corpo
oxigênio massageando os planetas internos
pulmão
anéis de coração
cordilheira de dentes
pé maior

fazendo posição de vida, estou
o meu corpo, o corpo habitado, está aqui, opa, uhu, outra vez

o sol come a terra
a terra come a lua
a lua nos devora

saúde!



lulu

na linha, o autoferro separa o horizonte.

se caísse um monolito não saberiam, pois é de restolhos que essa gente vive
novidades? nem a pau

as laranjeiras contraproducentes sinalizam que, talvez, não será um bom mês
falta água, entao falta fé
em tempo:
os obreiros foram expurgados das oficinas relatando que a chuva não é boa para os prédios que crescem

deveriam receber a notícia que, apesar do mausoléu
das manchetes e dos ais convulsivos
está tudo indo, comigo e com lulu

como uma onda no mar

talvez apenas uma febre, talvez a febre do otimismo

estava escrito no meu plano astral:

nasci com as manhãs enlamadas, bolorentas
ancorado nas metades vazias das coxas

reformei tal desmotor

o mecanismo religioso admite:
exaltação do curandeiro que vê alguém como eu - fé nos próprios pés -

caros, caríssimos

a turmavive a nos colocar em caixinhas com um palavreado sepulcral: 
oi. vai. anda. chupa. paga.

e se afundam nossos joelhos à sombra, imagina o coração e o pulmão

ninguém sabe nosso cacarejante pedido de atenção
vem cá, me dá um abraço
eu, lulu, e agora você cantamos juntos:

como uma onda no mar
como uma onda no mar
como uma onda no mar



mijada no meio da madrugada

chove da cintura para baixo num domingo rosmaninho
em mãos, meu órgão mil vezes animal
e perfumados fetos de plantas reverberam na planura do jardim externo
como se um destilado orvalho
deslizasse pelo esmagamento dos rodapés e parapeitos
tendo o poder de embriagar-nos
a fazer inclusive
a casca azul de meus olhos abertos, fechados e então semiabertos
vagar lentamente pela família de troços espalhadas pelo chão da estante
os lápis estão moles, escovas moles, chão, botões moles
meu mister amigável mole órgão
donde no anestésico corpo
o sangue sussurra pelas veias
uma canção de ninar

tempo: para sacudir o pinto

e como é paradoxal a cama ser leve e nós pesados a esta altura
na manutenção de um informático silêncio
(que parece tud0, tud0, tud0, tud0 saber)
jurado pelo ímpar e pelo par e
raramente interrompido
(apenas nos estalos dos fantasmagóricos móveis)

tempo: cama na distância do logo ali

volta-se pianinho para o leito
na sensação abafada
de que, se pisarmos em falso
pode o leve sensor da noite a qualquer momento disparar.




uma possibilidade

não é louco pensar que a multidão seja homogênea
ainda que saibamos que em seu meio estão nossos
heterogêneos companheiros da noite?

esta redoma chamada planeta TERRA, apesar de suas genias,é simultânea

fantasticamente

nem digo da esteira de ocasiões como refeições e sonos
nos sombrios parênteses dos fusos

nem como é ter uma luminária completamente cristã povoando
meus segundos e livros noturnos, enquanto bamboleantes luzes solares
adubam o corpo da desconhecida multidão japonesa lá no outro lado

digo - sim - da sombria caderneta do aqui-agora

o incrível simultâneo que é:

#um peixe é pescado enquanto um pescador pesca um peixe

#um rato é mordido por um gato enquanto um gato morde um rato

não que eu seja fornecedor dos panfletos da discórdia, mas

#um marido é traído enquanto uma esposa trai o marido incrivelmente

parece, neste atlântico de possibilidades,
que um lado da gangorra sempre pende para baixo

sabe-se lá o que descobriram em futurismo agora, ou a respeito de multiverso

mas meu coração desfraldado deseja que nalgum lugar o gato morda o rato enquanto o rato foge do gato.



Poemas resgatados na montanha

novo mundo I

se todo lixo é um erro de design
o que dizer da obra genial de Vic Muniz? (se)

contraposição da obra não oficial de arteiros
que aos pés da montanha
depositam lata, entulho & cousas que foram lençóis em outra vida

a letra u de um grito cai aos pontapés abaixo da terra
entre pobres cadáveres de bonecas 

viva!
diria uma delas
se moderna fosse
ao olhar do monte
o ainda intacto estádio das belas árvores

                                                 e que doido
                                                 dizemos nós
                                                 bonecos vivos
                                                 quando olhamos em velocidade
                                                 esse tanto verde
                                                 onde aparenta estar escrito
    URE ADVENTURE ADVENTURE ADVENTURE ADVENTURE ADVENTURE ADVENT




novo mundo II

ao longe é o cavalo que monta
a montanha

homicídio de temperatura
na gramatura da pele
in-formação aos puzzles dos pássaros

anoitece, fio,
e a luz de poste abduz insetos

200m abaixo desta cabana
algo tal homeopatia, água vindo aos poucos
batendo às pedras e aos caracóis de meus ouvidos

homem in natura, empoleirado
na medicina da verdade

1 conselho e pague-me quando puder:
faça o contrário dos frutos,

desamadureça,
desenraize em uma pedra
e sobre ela

a geleia dos órgãos aquecerá em movimento de:


Ilustrações: Gilad Benari





Rique Ferrári é sommelier, professor e colecionador de antiguidades. Escreve poesias desde sempre, mas só agora lançou seu livro Rocket Man (Patuá, 2017), um projeto desenvolvido em viagens pela América do Sul, e todo ilustrado por grandes tatuadores brasileiros.


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