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7 poemas de Nonato Gurgel

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Minigênesis pela janela 
Para Eli Celso

A chuva
cai
ora
e
orna

líquidas
agulhas
bordam
o verde
no barro


Adão navega dor

Deserto escrito em sonho
com fogo de Prometeu
e páginas de viagens feitas
por terra mata agua e ar
minissertão é a escrita
que medra no garrancho
rural e risca
a pele na rua


Letra na carne 
                             Para Sara, Rosi,Vivi e Maris

Mis noches están llenas
de Virgílio escreveu Borges
em mais de um poema

Estão cheias minhas noites
de tigres espelhos e Buenos
Aires cujo fervor sorvi
antes dos meus pés tocarem
“La Plaza de San Martín”

Minhas noites estão cheias
de sua cegueira que acende
e prosigue en mi carne



Perfil de Macabéa
                                             
Asa ferida sem floração, Clarice e uma tia nordestina me criaram virgem e magra. Seca. Trabalho feito louca como datilógrafa. Nunca recebi uma carta. De noite, quando sonho na pensão da Rua do Acre, no centro do Rio, ouço canto de galos vindos das Alagoas que nem eu. Não tem cajus nem canaviais no Nordeste de onde vim. Não tem luz nas espumas do mar. Só a seca. Cassacos. Poeira. Fala dura que petrifica até os ossos. Isso o Olímpico não entende, ser impossível. Macabeazinha, diz ela que sou delicada demais para a brutalidade dos homens. Como é mesmo que a gente faz para ser possível?



À flor dos trilhos
...a estação era o único ponto de contato 
Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno

Era
uma cidade crua
cruzada por balas
e vagões de ferro
até os ossos

Tinha missa
luz que corta
boy no beco
a cavalo e foda
na Asa do morcego

A estação do trem
era o coração do lugar
e a saída para quem
resvala à flor
dos trilhos


Da Varzinha
Para Ilton e Altanízia Gurgel

Ao sol claro encaro
Eulina e os frutos
que às vezes vingam

Do alpendre diviso a Fortaleza
e parte do meu reino: a manga
a macambira o curral e o queijo

que eu mesmo faço, além de um
certo preto afoito que afaga
égua com jeito de quem acarinha

moça – meiga matéria que muito
me confunde: duas filhas tenho;
mas o ciúme não me deixa ver

as cores do seu agrado. Devoto
cioso de São Sebastião – a quem,
gestos suaves, às vezes imito –,

tenho como hábitos a pergunta
e o pigarro quando – carrasco –
ouço ou vejo o que não curto



Poda
Para Ana P, linda
                                                            uma gracinha

A fé
brota
na poda
da roseira
e do mirante
mineiro
um vento
desabrido
reza salmo
roça tronco

não vês, Rosa
a montanha – útero
onde renasço
antigo
guiando
o caos e lendo  
a luz que a Cecília
leu?

Galeria: Lúcia P



Nonato Gurgel nasceu em Caraúbas-RN e mora no Rio de Janeiro-RJ. É autor de miniSertão (2014), Luvas na marginália(2016) e Nonada: floração da prosa nos sertões (inédito). É dr em Ciência da Literatura pela UFRJ e prof. do Curso de Letras da UFRuralRJ.

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