José Célio*,
Conheci Luiz, o seu Luizinho, agora homem feito, numa ida à Cristina, lá nas suas Minas Gerais, ele parece ter correspondido às suas expectativas, homem sério, agregador, embora puxe prosa, parece guardar um silêncio que é só dele.
Muita gente o chama pelo sobrenome, mas eu gosto de chamá-lo pelo nome que seus pais deram a ele, este lance do sobrenome me parece superficial, parece mero interesse, coisa típica de caboclo querendo ser lorde britânico, é até engraçado.
Talvez, você não goste, mas acabei me intrometendo na sua intimidade, li umas cartas que você enviou para sua mãe, desde já peço desculpas, caso isso te ofenda, não quero criar inimizade.
Você chegou a São Paulo, mas precisamente a Diadema, dez anos antes de eu nascer, pelas suas cartas, pude perceber a história, aquela que as professoras me ensinaram, contada por alguém que esteve lá, mais um desses milhares de anônimos que passam o bastão do tempo para frente.
A luta sindical dos metalúrgicos. Não sei se aí onde você está, chega notícia daqui, mas um daqueles seus companheiros foi eleito presidente do país, fez coisas boas, não nego, mas talvez a ambição e o gosto pelo poderimpediram o cabra de fazer uma mudança com mais sustância.
As mulheres caminharam bastante desde a década de 70, ainda há muito barro para amassar, mas elas têm conseguido coisas importantes. Rapaz, o sonho de São Paulo continua vivo, muita gente vem para cá atrás das oportunidades, mas nem sempre encontram o prometido. Como paulistano posso dizer: Esta é uma terra hostil, de gente, em sua imensa maioria metida à besta.
Não é só o nordestino que é antes de tudo um forte, quilômetros longe dos seus, eu quase pude tocar a sua solidão, nos cobram sempre a vitória, mas ela é uma meta tão difícil, exige tanto sacrifício e a gente nunca sabe mesmo se venceu. Mas somos gente como seu pai que antes de viver com um pulmão só, já tinha vencido a fome, paratifo, tuberculose e humilhação.
Célio, eu trabalhei por sete anos na saúde pública, pelo que sei, as pessoas continuam esperando muito tempo para um atendimento, um absurdo que permanece desde a sua carta de Sete de março de 1976.
Sabe uma coisa que achei curiosa? Foi o seu namoro com Nena terminar justo no dia de finados.
Muita gente fala ou falou donão-lugar, mas teorizam apenas, você viveu isso: Isso é muito triste, porque aqui(Diadema- SP) não é o meu lugar. Me sinto que aí(Cataguases-MG) já não é meu lugar. Ou seja, não sou de lugar nenhum.
Eu moro em Guaianazes, bem perto de onde o Nilson foi morar quando saiu da pensão, em 74, aqui é longe do centro e mais ainda de Diadema, igual te disse a dona Glenda.
De alguma forma, você parece ter servido como antena, sentiu que os homens viviam apenas para o trabalho, que o tempo passa rápido demais por aqui, que a gente abre caminho e quando parece chegar, estamos numa incerteza danada. Tem muita poesia na sua escrita, coisa de mineiro, eu acho que tem algo de misterioso naquela terra, conheço seu irmão, duas poetas e um cara muito gentil que é poeta e fotógrafo.
Você saiu do círculo do tempo, quando faltavam três anos para eu entrar nele, meus pais foram metalúrgicos também, como continuam por aqui, conseguiram a aposentadoria, mas parece que vai ser mais difícil conseguir isso daqui pra frente.
Eu gosto do silêncio, mas quando desembesto, rapaz, vou longe, já estiquei esta prosa por demais.
Até um dia!
*José Célio é irmão do escritor Luiz Ruffato, ele faleceu em 1978, seu irmão organizou as cartas que ele enviou para a mãe no livro “De mim já nem se lembra”.
Fernando escreveu a carta após ler o livro "De mim já nem se lembra", neste livro o Luiz Ruffato organizou as cartas que o irmão mandava para a mãe deles, quando veio morar em São Paulo.
Fotografias: Fernando Rocha (a segunda de Luiz Ruffato).
Fernando Rocha é paulistano, nascido em 1981, graduado em Letras, professor de Língua Inglesa na rede municipal de São Paulo. Fotógrafo amador, autor do livro de contos Sujeito sem verbo (Confraria do vento) e da novela Oslaços da fita (Penalux), Possui um conto na coletânea Descontos de fadas (Alink editora). Colabora com as páginas Letras inacabadas e Letras et cetera. Tem textos publicados nas páginas Musa rara, Cronópios, Jornal O Relevo, Meleca-chiclete.