Leonora Carrington
você já deixou seu dedo preso dentro do ventilador?, me disse em janeiro de dois mil e seis
deixar as hemácias percorrerem os riscos da mão
com as lâminas despedaçadas
sentir o descobrir da casca e ficar nua
com os ossos à mostra
você sentirá dor, me disse depois
o dedo infantil preso no ventilador corrói
teus membros sensíveis
o hímen congelado em potes
de margarina
você não foi feliz em maio
de nove anos seguintes
*
e logo, a pélvis desfraldada fermentandoa principio, o leão-marinho persegue
os fios de pêssego abandonados
que fazem seu colo e acariciam os pentelhos cegos
como quem fode procurando gelatinas podres
quando pensar nas vezes que fui gostosa e com
os bicos do peito pra cima
estive morta de olhos sepultados e magnéticos
h. tem o sêmen preso na panturrilha e gengiva cortada
o pênis duro de anteontem amputou meu cóccix, eu pergunto
o que foi a boca baratinada encostada em granito
há sempre do que fugir com a onda sísmica formigando
onde a úlcera seguinte se encontra
i) na raiz das coxas vomitadas
ii) na baleia deteriorada em taquicardias
iii) numa viúva lânguida em telhados redondos
h. de orelhas cortadas dissolvendo flâmula te calcifica
e deus te permite sangrar antes do almoço, você disse?
o maxilar preso em inchaços lambe os ovários
no socorro póstumo e chanfrado
galopando em duas hipertensões
a sua fé bastava em paus circuncidados
estrangulando a febre adotiva
porque cristo finge que a campainha não toca enquanto
suas filhas se masturbam com facas de tomate
não é fácil observar:
a casa emoldurando com pingos de chuva
ou os mamilos lacrimejando feridas na terra quente
*
o cílio encravado que persegue o fim do mundo
se minha família lesse meus poemas saberia
da descontínua rinite na parte inferior das nádegas
o retorno plúmbeo de coceiras em regiões que
da tia-avó nasceria um tronco verde-claro
enquanto desossa o esperma nascituro
a batalha transformada em aviões despencando
nos aquários congelados
o meu gozo decapitaria tuas entranhas e teus
sóis murchos
transformaria tua cidade em terrenos férteis para
homicídios
encontraria a destruição debaixo dos pisos
inerentes as tripas famintas e
translúcidas
as fatias mastigadas em escárnio e
toalhas natalinas também cheiram
aos órgãos incinerados
a cápsula que norteia suas vísceras
mansas
saberia que as salivas que escorrem da virilha
são recebidas com a carne dilatada
que dos ventiladores nos tetos não esfriam
os terços emoldurados e nem
a vagina que salga com os dedos
que o cu lubrificado distorce teu tímpano e
regozija tua falácia tardia com sua paz
desdentada
*
o poema do sentimento imaginárioeu quis morrer quando disseram para não me aproximar
você é cheia
com o corpo-vertigem sem pudor que apertava os órgãos se esticando para menos e tua carne cega te faz vergonha
porque eu nunca conheci deus,
como é estar na linha oca
entre terra e poeira que retém o sólido
eu quis morrer antes de conseguir tocar os joelhos
porque o corpo-político te faz incompreensível
com os galhos partidos no útero
e o inconvertível respirar dos pulmões encharcados
um bicho que perpetua as sombras da escada
eu nunca vou poder voltar
e meu irmão vai ficar sozinho
mas eu tenho uma bíblia despedaçada na gaveta
eu quis morrer antes de conhecer a palavra suicídio
o crânio agonizado no forno de sylvia plath
a ruína do teu âmago inexistente
estar hóspede de dois quartos da cruz
vomitada e
sangrenta
uma vez me gritaram
você é gorda
*
ontem nos meus dedosnão derramaram madeira
quente
ou prenderam
catástrofes
e margaridas que
não pude arrancar do chão
partiremos em círculos
rasgando as entradas
que desloca do lugar com a força
do nosso sexo
a fatia de uma coxa pintada de púrpura
me devora no extremo da
tua glande
caber os fluídos no náufrago
fuligem cansada
a pólvora contínua de
mergulhar a tua boca
com meu gozo
comer as sombras e
todas as linguagens transbordadas
em névoas
dissolver minha bunda na
temperatura dos teus fluxos
líquidos pelos
efluência volátil
caligrafias roídas no precipício
revestido de paladar
fonemas musculares e
da voz deglutida
seus sinais famintos de
amplitude em tempos desnudos
chafurdando no clandestino
dos teus gemidos
e espasmos
as gotas de meses se repousam
no teu olhar-temporal-escândalo
súbita ânsia de esgotar as
planícies carnais do teu mamilo
sugando o orgasmo que
transcende na pulsação da minha boceta
e encharca as labaredas e
tons rosados
metaforizar as luzes que trazem
agudez das sirenes e das pressas
a lubrificação do seu pau ecoa
elástico intrínseco
desafogam as vibrações
indecentes selvagens
deliciosas
sentar úmida na simetria da
ambivalência
das tuas expressões
e na sonoridade do estímulo
erótico
estar adentro o prazer
gritar explodir lamber com
força o tesão
oblíqua bagunça das poeiras
que se acalmam nas contagens nocivas
esfarelo nos ímpetos
nas palavras sujas
nos cuspes no escorrer libertino na
obscenidade mais lasciva
me desmonto devorada
liquefeita
***
Carolina Alvesé poeta, catarinense e estudante de Cinema na UFSC.