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5 poemas de Marcelo Pierotti

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POEMA INCONCLUSIVO

O que te espera,
meu amigo,
nesta próxima noite
passada é sempre
inconclusivo de nascença
ou criação mesmo
em testamento
sempre inconclusivo.

Mesmo que trocasse
cachaça por chá
numa sala grande com futon
que morresse a ideia fixa
por triângulo pubiano
de passante alegorizada
que escrevesse dísticos
espirituosos leves e burros
sobre porra nenhuma
que se rebelasse todo
contra a tirania desta
liberdade corcunda e manca

seria mentiroso
mas ainda sempre
inconclusivo.


ET IN ARCADIA

Mas quem diabos não é desterrado
neste mundo de ontem hoje a tarde,
nosso eterno domingo na história do
universo?

Quer dizer,
quem diabos,
em nome de deus,
continua dando meia pataca
ou peido – o caralho que for –
para ente invisível/
acidente metafísico
externo ou
(dizem otários que há)
quiçá interno,
incluso aí o supracitado

neste domingo tão calmo
enquanto a humanidade toda
dorme triste quase
bêbada no tapete
embalada pelo som
morto implacável massacrante
do sempre mesmo jogo
do Campeonato Brasileiro?


AMOR É TUBARÃO QUE MORRE DE SEDE

Karbunkov carregava o mundo
com a cabeça do pau.
Passeava querubins sobre o falo,
depois encantava animais
de toda família de peçonha
com balangadas ao poente
no deserto do Arizona.

Karbunkov possuía olhos tristes,
corpo manchado e peludo de hiena
e um sorriso arreganhado
escarrado na cara do universo
que armava quando sentia dor.

Faltavam-lhe duzentos dentes
mas o restante bastava
quando morria por toda paragem.

Karbunkov gostava de flores,
contou-me certo dia claro demais,
sonhava sempre com uma orquídea
carnuda e bonita que nunca tocou –
parecia um pouco incomodado
quando se calou sorrindo.




DA DESTRUIÇÃO DO OUTRO

O golpe certeiro na cervical
do que se poderia compreender,
que seja de punho ou de voz,
importante é devassar
o miolo comum do alheio.

Descortinar carnes,
adentrar o âmago,
todo amor agressão.



UM PRIMEIRO AMOR

éramos casal contente
sentado no estacionamento
dando o resto do lanche
para montes de formigas
grandes e pequenas
pretas e marrons

que julgaram muito pouca
a comida caída do céu
e guerrearam e mataram
e também desmembraram
umas às outras

guardamos silêncio
sua mão sobre a minha
calamos o assunto
quase horrorizados

não foi difícil notar
cravado num instante
o inegável indício do fim

de nós naquele abraço e

de tudo mais sobre a terra


Galeria: Alexei Bednij


Marcelo Pierotti nasceu em Tatuí e vive em Sorocaba, cidade que escolheu como sua. Já morou em outros aglomerados humanos no interior e por algum tempo em São Paulo, de onde fugiu com o filho pequeno há pouco. É autor de poemas espalhados por revistas como Raimundo e Escamandr, do livro Domingo no Matadouro (publicado na primeira Coleção Patuscada, da Editora Patuá) e de mais alguns outros volumes que podem (ou não) ser publicados logo mais. Gosta de algumas coisas e desgosta de tantas outras como, por exemplo, falar de si. 

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