POEMA INCONCLUSIVO
O que te espera,
meu amigo,
nesta próxima noite
passada é sempre
inconclusivo de nascença
ou criação mesmo
em testamento
sempre inconclusivo.
Mesmo que trocasse
cachaça por chá
numa sala grande com futon
que morresse a ideia fixa
por triângulo pubiano
de passante alegorizada
que escrevesse dísticos
espirituosos leves e burros
sobre porra nenhuma
que se rebelasse todo
contra a tirania desta
liberdade corcunda e manca
seria mentiroso
mas ainda sempre
inconclusivo.
ET IN ARCADIA
Mas quem diabos não é desterrado
neste mundo de ontem hoje a tarde,
nosso eterno domingo na história do
universo?
Quer dizer,
quem diabos,
em nome de deus,
continua dando meia pataca
ou peido – o caralho que for –
para ente invisível/
acidente metafísico
externo ou
(dizem otários que há)
quiçá interno,
incluso aí o supracitado
neste domingo tão calmo
enquanto a humanidade toda
dorme triste quase
bêbada no tapete
embalada pelo som
morto implacável massacrante
do sempre mesmo jogo
do Campeonato Brasileiro?
AMOR É TUBARÃO QUE MORRE DE SEDE
Karbunkov carregava o mundo
com a cabeça do pau.
Passeava querubins sobre o falo,
depois encantava animais
de toda família de peçonha
com balangadas ao poente
no deserto do Arizona.
Karbunkov possuía olhos tristes,
corpo manchado e peludo de hiena
e um sorriso arreganhado
escarrado na cara do universo
que armava quando sentia dor.
Faltavam-lhe duzentos dentes
mas o restante bastava
quando morria por toda paragem.
Karbunkov gostava de flores,
contou-me certo dia claro demais,
sonhava sempre com uma orquídea
carnuda e bonita que nunca tocou –
parecia um pouco incomodado
quando se calou sorrindo.
DA DESTRUIÇÃO DO OUTRO
O golpe certeiro na cervical
do que se poderia compreender,
que seja de punho ou de voz,
importante é devassar
o miolo comum do alheio.
Descortinar carnes,
adentrar o âmago,
todo amor agressão.
UM PRIMEIRO AMOR
éramos casal contente
sentado no estacionamento
dando o resto do lanche
para montes de formigas
grandes e pequenas
pretas e marrons
que julgaram muito pouca
a comida caída do céu
e guerrearam e mataram
e também desmembraram
umas às outras
guardamos silêncio
sua mão sobre a minha
calamos o assunto
quase horrorizados
não foi difícil notar
cravado num instante
o inegável indício do fim
de nós naquele abraço e
de tudo mais sobre a terra
Galeria: Alexei Bednij
Marcelo Pierotti nasceu em Tatuí e vive em Sorocaba, cidade que escolheu como sua. Já morou em outros aglomerados humanos no interior e por algum tempo em São Paulo, de onde fugiu com o filho pequeno há pouco. É autor de poemas espalhados por revistas como Raimundo e Escamandr, do livro Domingo no Matadouro (publicado na primeira Coleção Patuscada, da Editora Patuá) e de mais alguns outros volumes que podem (ou não) ser publicados logo mais. Gosta de algumas coisas e desgosta de tantas outras como, por exemplo, falar de si.