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2 contos de Marcos Samuel Costa

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Ilustração: Jalowy

Olhos que se reconheciam na verdade e na mentira


A solidão era comum todos naquela casa. Para alguns, chegara a ser um pouco pior, mas quem irá se importar? As perguntas foram feitas para ficarem como estão – no vazio no silêncio. Que resposta possível? Nenhuma neste lugar de dor. Quando menino ouviu aquela mãe contar na mesa enquanto todos se reunião. O contexto não importa. Apenas sua frase destruidora: “quando um viadose pega com alguém, vira doença, persegui a vida da pessoa, não lembra quando o Jonas ficou atrás do Lino? O Lino teve de puxar uma faca pra ele. Viadostem que morrer”. O menino, mais novo daquela família, viado-de-nascimento, apaixonado por um amigo desde criança, sentiu-se expulso daquela casa e apto para morrer. Todos os “viados” tem que morrer. E morreu, todos os dias deixava algo seu a morte, morria enquanto ia a escola, e morria mais um pouco quando decidia passar o intervalo dentro da sala, quando desistia das amizades e não fazia-as. Os garotos morrem também, percebeu isso muito cedo, não eram só os viados, estava sendo um garoto morto. Nos seus pés uma sandália simples e pobre, ninguém naquela casa o observava com apreso, na costa uma mochila vinda do Paraguai direto pra ele – tão falsa quando a felicidades dos homens. Mas não era só, tinha em mente ideias felizes, queria ser feliz e casar, ter casa e filhos, ter um alguém. Não bastava ser como era, queria a felicidade. As palavras da mãe já não eram bastante claras. No seu quarto pequeno e quente, ficava ao fim da tarde e início da noite a olhar pela janela – vagava o mundo das impossibilidades. Por vezes, mãos ao troco vivo do seu corpo, e certo, o prazer da masturbação, pensava em garotos, pensava-nos lhe comendo bem gosto, trocos vivos em sua boca, o suor, o suor do alheio lhe dava vida. A mão cada vez mais rápida, o suor do seu corpo descendo, gemia – todo o prazer nas mãos, sentia-se satisfeito. A gala branca saia do seu pau, o tesão passava – rapidamente as palavras da mãe vinha a sua mente, lhe mantava, outra vez um garoto morto. Morria mais rápido.

Mas houve um dia – deste dia o que ele esperava era o nada do sempre, quem sabe uma morte mais tranquila ou apenas observações banais. Bestiário na hora certa. Não vou lhe apresentar muito bem o Pedro – também garoto, que morria sempre por causa da vida, passa seus dias contando os dias que ainda lhe faltavam-lhe a viver, incompreendido como todos os seus iguais – ainda que na igualdade, haja a perene diferença. Encontrou o outro, e viu-se, o outro lhe encontrou e idem – ambos iguais nas mortes diárias. Não sei dizer como tudo começou – mas creio no começo da verdade, olhos naturalmente se vendo, olhos que se reconheciam na verdade e na mentira. Mentiam. E por isso, por causa da verdade da mentira, sabiam que podiam se sustentar nesta verdade – verdade do eu sou. Assumir-se ao outro. O outro. Os dias juntos foram ficando cada vez melhor. Os sonhos absurdos, foram virando realidades possíveis. O que lhes conto é parte, uma parte inventada das muitas realidades. E não lhe doou fim, mas tento escrever-lhes a felicidade.    




As duas


havia uma simbiose nos dias e na largura das ruas. conchas e pedras luminosas. a porta de madeira, as cadeiras de ferro, vidros, colheres, alumínio. a primeira verdade delas – o sexo do corpo, a primeira mentira delas – o sexo das palavras. o corpo. pernas compridas e roupas pequenas, uma de cabelo azul, a outra sem cabelo – corte bem baixinho. mas o que são os homens? a beira-mar ouvia as ondas dizer sobre o destino de todas as garotas felizes, jogava fora o maiô e corria na praia sem nada a cobrir os seus peitos. uma montanha pontuda e sinuosa. assaltava todos os dias o coração de sua amada. assim era ela, elas, nos seus dias de amor ou de ódio. a mãe de uma chamava-a de sandalinha, a da outra, bicho estranho. chamavam-se por nomes. tocavam-se por a pura ideia de soma. mas não era só isso. havia também o sofrimento. o sofrimento era tão grande como o elefante azul que Brenda via desde criança, era maior do que ele e seus sonhos de garoto. sim, de garotos, sonhava que quando crescesse, seria igual o Marcelinho jogador de futebol. pernas cabeludas e grosas, imaginava que seria como seu pai. na adolescência algo muito estranho ocorreu – saiu sangue da sua vagina, correu assustada ao encontro de sua mãe, veio a notícia, a pior de sua vida – “você agora é uma mulher”. sentiu o elefante azul cair sobre ela, junto com todos seus sonhos, não tornar-se-ia um homem como seu pai? sentia-se ainda mais culpada por deixar seu ídolo morrer em si. que vergonha aquela garota sentia naquele momento. vergonha de si, virara mulher. mulher. com Marina, tudo foi diferente, era apenas uma garota que gostava de garotas. muito cedo revelou isso a sua mãe,  que riu e disse ser coisa da idade. as duas se conheceram numa tarde mansa de abril, a beira da baia do Guajará. essa estória não tem fim, foi encontrada numa parede pichada dentro de um coração.   






Marcos Samuel Costaé natural de Ponta de Pedras - Ilha de Marajó - Amazônia brasileira. Atualmente cursa Serviço Social (FMN), e mora em Belém do Pará. Vive perdido no caos da cidade grande e entre livros de poesia. É membro correspondente da Academia de letras do sul e sudeste paraense e da ASPEELPP-DJ. Autor dos livros: Pés no chão e sonhos no ar... (Edição artesanal, 2012), Convites para amar(Editora LiteraCidade, 2013), Sentimentos de um século 21 (Multifoco Editora, 2014), Titulado amor (editora Literacidade, 2014), em coautoria com dois amigos: Interpoética (Big Times editora 2015), Uma semana de poesia (Editora Penalux 2016). Acaba de publicar seu novo livro de poesia no formato de eBook na plataforma da Amazon, titulado: lugar algum (Sam edições, 2017).



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