Livro "Caligrafia das nuvens" conecta leitor à vida biopoética de Carla Andrade
/por Fernando Andrade/
Não há mais bela metáfora de que o coração: misto de cor e ação. Sua tingetude do vermelho rubro. Rubro de vergonha? Não, no coração não há nada disso, ele é um bombeiro que não apaga a paixão, exemplo romântico na poesia\ literatura? Além de ter artérias que irrigam o processo de sua palavra irmã - estórias. Quantas estórias por minutos sua vida-romance-poema bate para si?
No livro da poeta Carla Andrade, Caligrafia das nuvens, pela Editora Patuá, temos uma canção pelos rubros caminhos da memória. Algo me diz que pulsar da zabumba, do baticum e do compasso do regente coraçãoqueé o mesmo que chega ao mestre de cerimônia, seu excelentíssimo cérebro. Não se trata de vida? Este bombear de vivências que o coração propicia? Assim com estas vivências ficam ali guardadas no baú de guardados*, retidas, armazenadas para a formosa mímese.
A poesia, é sim um baú de guardados, dali saem um desfile de alegorias e a máscara do arlequim, tudo feito pelo fio do artesanato da escrita da poeta Carla. Nesta pulsão entre experiência emocional e afetuosa de suas vivências e o que passa na sua memória não só de lembranças, mas aquela no qual perpassa a escrita que é um filtro um pouco diverso do baú de guardados.
Carla poeta que não tem medo de um explosão rítmica da violência, no seu poema que abre seu livro:
A descontinuidade da vida
resolvida no erotismo do moinho,
no gozo exterminado do moedor.
A violência da roça
É disso que preciso.
Carla sabe que o natural é apenas uma paisagem?
Que por trás dela, existe uma natureza indomada,
bravia e violenta que na roça como drama,
existe todo um processo de captura e trituração,
da fome que não se filtra em processos civilizatórios.
A poeta escreve seus poemas de forma bem alusiva ao assinar um linda coletânea de poemas que traçam veios e veias do que viveu e reteve. Mas ali só podemos aludir, vislumbrar o que são as experiências afetivas da poeta. Há em seu estilo de escrever imagens que, de tão filigranáticas, quase flutuam como nuvens.
(* título de uma canção da Ná Ozzetti)
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Fernando Andrade, 48 anos, jornalista e poeta. Trabalhou durante dez anos como livreiro. Colabora no portal Ambrosia como resenhista de literatura e música. Faz parte do coletivo de Arte, Caneta Lente e Pincel com textos de poesia e prosa. Participa do Coletivo Clube da Leitura. Tem um conto chamado Quadris na coletânea do terceiro volume do clube da leitura. Tem dois livros editados pela Editora Oito e meio. Lacan por Câmeras Cinematográficas e Poemometria. Lança mês de Maio seu terceiro de poemas, Enclave editado pela Editora Patuá.