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Mallarvista - entrevista com o poeta Guilherme Delgado

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coluna mallarvista nr. 004
por Chris Herrmann e Nuno Rau


Guilherme Delgado, poeta, editor e tradutor
é o entrevistado do quarto número da Mallarvista:




1. Para você, o que aproxima um jovem da poesia? Como e quando se deu este processo, no seu caso?

gd: acho que ter livros por perto é importante, mas ter um leitor por perto é fundamental. Os livros pelo tato, pela convivência. O leitor, pelo exemplo e incentivo. Na infância, tive esse incentivo dos meus vizinhos. Yolanda Limeira, então editora de um suplemento infantil, atravessava a rua com textos e poemas para que eu ilustrasse. Cláudio Limeira, seu companheiro, foi o primeiro poeta que conheci. Certamente não tinha a dimensão do que significava ser poeta ali. Mas quando penso nesse primeiro momento, vejo o quanto me marcou. Depois nos mudamos, a convivência acabou comprometida, junto com boa parte do meu interesse pelo assunto. Só fui ser resgatado pela poesia já na adolescência, lendo Augusto dos Anjos. Tinha uma ideia completamente romântica e parnasiana, ainda da escola. Ler Augusto, pra mim, foi descobrir a poesia. E aí, a escrita, os primeiros poemas. Pastiches terríveis de Augusto. Levou um tempo para entender a necessidade de me tornar um leitor crítico, de conquistar um repertório. Só então percebi como foi importante aquela etapa. De encher uns cadernos escrevendo. A pastiche feita por quem ignora tudo não é só natural como necessária. Depois disso, foi muito importante buscar o diálogo com quem também escrevia, fossem poetas ou professores. Tem muito poeta que defende uma escrita “espontânea” ou “visceral”, e que faz piada com quem estuda poesia na “academia” ou participa de oficina literária. Aprendi muito na universidade e em oficinas, e não ignoraria essa experiência. Poeta não é título, é condição. Mas exige técnica. A melhor possível. Daí tantas buscas na escrita, sabendo que não se pode ter consciência de tudo. Mas que é possível estar bem preparado quando diante da oportunidade do poema. 

2. A poesia dialoga necessariamente com influências? Com ou sem angústia? Em sua poética, como se deu este processo, e que poetas foram mais importantes no seu processo de escrita?

gd: dialoga sempre. O leitor que eu sou é quem vai dizer o poeta que eu sou. Geralmente, a influência se dá pelo prazer, sem angústias. É algo que atravessa e é assimilado, de forma consciente ou não. Mas entendo o que diz Bloom. Acho que há uma ideia de angústia diante dos autores que botam em nossa conta a nossa própria autoria, daí o débito com eles. Tenho isso claro em alguns momentos. O primeiro, com o próprio Augusto dos Anjos. Leituras depois, Paulo Leminski, outro baque. Porque à frente de sua poesia havia uma figura expansiva, carismática, que era difícil de fugir. E a angústia se dá pela fuga, também, já que contornar uma influência é admiti-la. Por último, João Cabral. Certamente o mais difícil, porque Cabral exerceu uma influência decisiva não apenas literariamente, mas sobretudo intelectualmente. E acredito que é assim com a maioria. Daí que a imagem da pedra na sua poesia não poderia ser mais oportuna. O Régis Bonvicino tem um poema que subverte Drummond e diz: “tinha um caminho no meio da pedra”. Mas não dá para não pensar em João Cabral, também. Ele e Drummond são esses “caminhos no meio da pedra” da nossa poesia.

3. Como você enxerga o momento presente? Pluralidade? Vertentes geracionais ou transversalidades geracionais? Quem dialoga com o que você escreve e com quem você dialoga, dos poetas atuais?

gd:é um momento de pluralidade, com certeza. Acho que a ideia de uma vertente geracional iria ao encontro dos dilemas vividos pelas vanguardas, em grande parte já superados. Isso porque ainda há quem enxergue na poesia que pratica o único caminho possível. Temos grupos, com interesses mais ou menos definidos. Mas não escrevemos da mesma forma, e isso é ótimo. O que talvez seja mais aparente, até por conta das redes sociais, é essa transversalidade geracional a que você se refere. Poetas com mais caminhada circulam com os mais jovens. Sempre lembrando que os últimos não inventaram a roda, e que há muito o que aprender. Mas a experiência também tem absorvido debates mais recentes. A questão de se apropriar dos meios de produção, de multiplicar os espaços restritos, de buscar um equilíbrio entre os gêneros. De tentar olhar para o Brasil inteiro, e não só para os mesmos centros – que continuam tendo papel determinante, mas que, por razões óbvias, não têm condições de bater o martelo sobre tudo o que está sendo produzido.
Pessoalmente, me interessa a ideia de modernidade, pelo grau de invenção que o termo carrega. Seja em qual tempo for. Pontos luminosos na longa tradição da poesia. Uma tradição de ruptura. Dos poetas atuais, destacaria a Josely Vianna Baptista. Acho inspirador o trabalho dela, como poeta e como tradutora. Augusto de Campos, que lançou Outro há dois anos, segue como diálogo constante. Na medida do possível, busco acompanhar outros poetas através de editoras como a Patuá, de Eduardo Lacerda, a Demônio Negro, de Vanderley Mendonça, e a Lumme Editor, de Francisco dos Santos. Autores que se apropriam completamente dos meios de produção, como Fred Caju, com a Castanha Mecânica, e Philippe Wollney, com a Porta Aberta. Jovens autores paraibanos, como Carlos Araújo. Blogs e revistas, impressas e eletrônicas. Zunái, Musa Rara, Germina, Modo de usar, escamandro, Acrobata, e a própria Mallarmargens. Em João Pessoa, temos a Malembe, revista que coedito junto com Carlos Nascimento e Débora Gil Pantaleão. A partir da revista, que vai chegando ao quarto número, temos tido a oportunidade de contribuir com essa multiplicação dos espaços restritos, e, consequentemente, com a produção de autores que descobrimos e que nos descobrem.

4. Sobre que eixo gira o seu livro atualmente no prelo? Com que aspectos do mundo ele se relaciona? Qual a imagem do leitor que você quer alcançar?

gd: o livro se chama : (o sinal gráfico de dois pontos) e sai em breve, pela Patuá. A ideia é que os dois pontos geralmente abrem um discurso, uma voz. É o meu primeiro livro, então busquei abrir essa voz poética. Formalmente, o sinal gráfico também norteou toda a composição do livro. São 22 poemas divididos em duas seções, sendo a segunda eco da primeira. O eixo do livro é o diálogo com a tradição, na medida em que me aproprio dela para escrever minha própria poesia. Apenas tentei ser o mais fiel possível àquilo que acredito. Mas, claro, agora que a publicação se aproxima, espero que ela encontre os seus leitores. E por imagem tenho as pessoas que precisam de poesia para estar no mundo.

5. Poderíamos talvez definir o tempo presente como um tempo em que não existem formas por excelência a serem seguidas, como foi no passado antes das vanguardas históricas e inclusive como foi postulado por aquelas vanguardas. O que nos parece é que o tempo é de grandes possibilidades, da liberdade de lançar mão de diversas formas de escrita, desde que de algum modo se ancorem ao contemporâneo. Você concorda com esta premissa? Em qualquer caso, como definiria sua poesia neste complexo quadro contemporâneo?

gd: nessa questão, fico com Haroldo de Campos quando fala de um momento pós-utópico, da agoridade. As vanguardas se esgotaram enquanto utopia coletiva, mas há um passado que se quer presente por meio de utopias pessoais. Há muitas lições a serem revisitadas, e sobretudo reaprendidas. Concordo quando você fala das grandes possibilidades do nosso tempo, e de nossa liberdade formal na escrita. Vejo aí a grande questão. O poeta, hoje, pode tudo. E muitos estão perdidos com tanta liberdade. Acham que apenas a âncora no contemporâneo é o suficiente, e aí cortam frases em versos e assinam como poemas. Destaco que o grande problema não está em publicar livros e mais livros. Os meios estão disponíveis, publica quem deseja. Para muitos, é o mais importante. Mas para quem tem alguma pretensão no trabalho com a linguagem, não. Antes, é preciso voltar. A equação, nesse caso, é simples: nenhuma subversão antecede um conhecimento básico. E aí se oferece um olhar novo; um viés pelo menos. Sobre tudo o que está aí desde sempre. Isso é mais difícil, e é por isso que devemos escrever. Mas não se lê. Desde aqueles que seriam o público leitor, por diversos fatores, até mesmo professores e os próprios escritores, o que é mais grave. E aí entraríamos em uma questão mais urgente dentro desse quadro complexo: como criar uma sociedade leitora?
Em meio a tudo isso, chego à conclusão de que poesia sem militância ainda não é poesia.



CALIGRAFIA PARA ADÍLIA


Adília não é o nome de Adília
quem diria
nascida tal de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira
nem precisa Adília dizer
um nome impraticável pra poesia
Adília é poeta
a família de Adília sabe
a família de Adília acabará nela exatamente com ela
Adília sabe disso muito bem
Adília não deu em nada só em gatos brincando com baratas
um poeta numa cela à espera de Diderot e Diderot está morto
uma rosa embolorada
isso a família de Adília não quer
não se chora uma ninhada de gatos
não se continua a tradicional Fidalgo de Oliveira numa cela
assim como não se chama de neto um bolor
todo um brasão familiar (extinto) depois de uma poeta
vai chegar o dia em que tudo acabará em Adília
que dia enorme pra poesia


GD 




Guilherme Delgadoé natural de João Pessoa (PB), onde reside. É bacharelando de Tradução (Inglês) na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coeditor da revista independente Malembe. Tem poemas publicados nas revistas Zunái, Musa Rara e Germina. Participou da plaquete Tanto mar sem céu, organizada por Claudio Daniel (Lumme Editor, 2017). É autor de : (Patuá, 2017, no prelo).





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