Estou internado. Conto em 7 minutos a história de toda a minha vida. A médica escuta. Digo que você persegue-me nos sonhos, Alice. Não falo das árvores.
Tenho vontade de bater a cabeça na parede. Extrair de algum lugar branco um nome, uma ilha.
O nosso encontro, o teu choro. Você e tua política de terra devastada. Talvez eu esteja cansado. Talvez não queira mais queimar vela com tão ruim defunto. Talvez.
Talvez eu encontre um pássaro que me ensine algo doce porém sangue. Talvez.
Eu e meu espírito de comandante de Lager. Eu, o Häftling de mim mesmo. O esqueleto-criança solto nas ruas do Centro. Imerso na sujeira dos mendigos do Centro.
Talvez o Valium esteja no vento de Goyastadt. O sopro que espera minha irmã morta. O isótopo. Talvez.
Talvez eu seja uma árvore neste quarto. Tal como uma folha que turva um desenho na voz da médica. A Krankenschwester que ilumina a boca em meu sexo. Talvez.
Meu pai, Alice. Meu pai.
Talvez ali, onde noite e luz partilham o mesmo coração, eu perceba que não foi tão terrível, nem tão bonito. Talvez.
Talvez eu e minha Alicemaquia caminhemos pelo Centro de Goyastadt.
Quando o amor, quando o amor.
A mesma pergunta, sempre. Talvez.
Minha mãe e uma canção em basco. O caixão de minha irmã. Meu avô e todo o Uruguai descarnados em uma fazenda no meio do nada.
O Deus-da-Areia,
o Deus-do-Mar,
a Deusa-da-Cinza.
Eu gostava de não ser, Alice. O mar, tão Valium quanto o Azul.
Talvez quando minha avó mostrou-me seu piano e a vida por. Quando Deus lambuzou-se ao criar o Mundo. Talvez.
Talvez a impotência dos oceanos,
Alice, the girl with ash lips:
Luve,
Love,
Lyubov,
Liebe,
Lufu,
Luba.
Talvez seja a vontade urgente que tenho de voar. Voar e destruir, como o amor destrói. Voar e, finalmente, cair, transformar a Terra numa bola de fogo líquida. Criar montanhas.
Mas eu não tenho para onde voar, Alice. De nossa cópula não surge nenhum arquipélago, nada nasce.
Sabes, nossa história é um salto profundo. Um casal de pássaros que viola o mar e nada encontra.
***
Trecho de "O nome da tua pele".