O SEGUNDO TOQUE DO DESPERTADOR
Ao segundo toque do despertador
acordar do deleite que foi permanecer deitado
depois do primeiro toque;
pareceu o sinal benfazejo
desde a cama surda à luz despedindo a noite
que veio resgatar do fundo da breve eternidade
os poucos minutos compensatórios
da extensão do dormitar até a volta
à vida cotidiana.
Querer voltar à vida cotidiana
ao segundo toque do despertador
entre as frestas da janela – ventana temprana! –
e haver lá fora galos que cantem
e pássaros que acordem independente
de galos e despertadores.
O que há de natural na vida cotidiana
aprender
até que a ferocidade envolvente sufoque o resto dos movimentos
inevitáveis do dia: suportar o tolo
e a tolice, beber o café
e o amargor, sonhar a fuga
e o precipício, escolher.
Mas amar o intervalo entre o primeiro toque
e o segundo do despertador é essencial. Amar
esse intervalo, dele não reter sequer o movimento
da mão que – como a de um ressuscitado –
abafe o primeiro toque a estremunhar
e renuncie à letargia em nome
de um bem maior que é não apenas
o segundo toque do despertador
mas sobretudo o que a ele se segue:
a tolice, o amargor, a fuga, a pressa, o veneno, a solidão, o logro
inevitáveis contingências do meu passeio
antes que a cidade toda acorde
para a inconformidade com qualquer toque
do despertador
como se tremesse dentro das muralhas de Jericó.