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9 poemas de Marcel Fernandes

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Marcel Fernandes


O ENIGMA


bordar um leão no peito mas
por dentro ao redor do coração
usar o fio da mais bruta montanha
não chorar ou desesperar-se
a dor ergue edifícios mais fortes
a vida não é uma dispensa gorda
a vida é um largo quintal de projeções
algumas vezes um filme chato
um romance sem graça
outras vezes uma mítica águia branca
com olhos turquesa e plumagem cristal
pronta a nos dar sua enorme cabeça


A FILOSOFIA


é certo que o tempo
é uma questão vegetal
uma erva raríssima
de raízes profundas e profanas
brotando em quaisquer filosofias
mineral restou a curiosidade
vadia assanhada que insiste
em roer meus ossinhos



RENASCIMENTO

a ponta do pênis contra a escuridão
o gozo na matéria escura da noite
esperar que a madrugada geste o improvável:
um dia com a tua cara patética


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Marcel Fernandes


CAVALO


teu corpo existe
porque nele
meu corpo insiste

nenhum corpo é como o teu
que caldeia radioso no colo
da minha voz

nenhum corpo é como o teu
que vagueia curioso no polo
dos meus pés

nenhum corpo é como o teu
que desagua furioso no rio
da minha foz

meu corpo existe
porque nele
teu corpo persiste


O ROCHEDO


era uma pedra de três camadas
uma era vermelha
outra era cor de pedra
e a última era imaginação
seu corpo era frio
seus olhos eram asfalto
seus cabelos eram musgo negro
era uma pedra de três camadas
eram alma, espírito e ficção
falava fogo quando ria água
e carregava um enorme dragão na boca
um dragão de três pedras
era uma pedra de três camadas
sua prosa era ironia
seu riso era advertência
sua existência era um milagre mineral



O DIA


quaram as plantações no primeiro sol
dos dias
o grito do poema
o solo prometido
o filho da palavra vento



A ESPERANÇA


há um animal que ri
selvagem
na atmosfera do dia
há um grito ecoando
labiríntico
nos mais altos céus
há o desejo
habitando os seres viventes
há o fruto
há um fruto
há uma sombra que envolve
o teu nome
há uma marca em tuas mãos
e dança quando olha pra mim


O ESCÂNDALO


astros em combustão
outra vez
o fogo ardendo as feridas

na varanda ecoa um som
o canto rubro das aluadas sereias

tuas mãos
tuas costeiras mãos
não o mar ou os próximos mil anos
tuas arenosas mãos

pulsem estrelas em mim
inundem cidades em lágrimas

astros em combustão
outra vez
o céu lambendo os pecados

agarro a insalubre letargia
o amor é uma escura aflição
é atravessar o mundo junto à morte

mas só tuas mãos
abarcam o impecável escândalo



A MENTIRA


fotografias dos nossos corpos
gastas e jogadas ao tempo
fracas como um gatilho
monumento ao esquecimento
por você ainda pulsarei
te amarei pela sua tristeza
guardarei tua lembrança na pele
e se um dia ousar te esquecer
e a memória em névoa se converter
cravarei nossos corpos no espanto
plantarei um jardim de papoulas
a florescer imagens de nossos iguais
fotografias dos nossos corpos
mentiras pra nunca esquecer




Marcel Fernandes é poeta e artista visual, nascido em 1986, em Antonina-PR. Sua poesia tem sido amplamente divulgada no Brasil e em Portugal. Seu trabalho brinca com a realidade e a ficção permeando as artes visuais e a literatura. Participou de exposições individuais e coletivas no Brasil e na Espanha. Atualmente está trabalhando no seu fotolivro "Kepler-186f", e na coleção de poemas "dimensões que o olhar alcança".






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