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coluna mallarvista nr. 002 |
por Chris Herrmann
Lau Siqueira, poeta, é o entrevistado da coluna de hoje da Mallarvista:
1. Brasileiro nascido no Rio Grande do Sul que vive hoje na Paraíba. Além das diferenças geográficas e sociais, como fica a literatura brasileira neste panorama?
2. Sabemos que há um material humano e artístico riquíssimo no Norte e Nordeste brasileiro. Na sua opinião, o que falta para que o Brasil redescubra o Brasil?
3. Você estreará muito em breve uma coluna na Mallarmargens. Descreva para os leitores do que se trata e seus objetivos.
4. O Lau escreve por necessidade? Por prazer? O que te faz escrever e o que você pretende passar através da poesia? quais as suas referências e influências? que leituras formaram o poeta Lau?
5. A poesia contemporânea está bem representada pelos jovens, na sua opinião?
LS: A dificuldade para quem produz literatura neste país é a mesma nas mais diferentes regiões. Afinal, o terreno minado de todos nós, é um só: a palavra. Temos uma produção avassaladora no país inteiro e uma crise de leitura sem precedentes. Nos faltam algumas coisas essenciais. Por exemplo: o exercício cada vez mais raro da crítica literária. O Sul e o Nordeste possuem uma tradição de grande relevância dentro da literatura brasileira. Pensar sobre isso me dá uma certa consciência de lugar no mundo. Apenas isso. No mais, as diferenças geográficas e sociais nem são tão relevantes, pois existe hoje uma certa homogeneização das coisas boas e ruins, nas mais diferentes regiões. Vivemos na era das franquias. Nivelamos os nichos de boa literatura em todas as regiões. Mas, nivelamos também todas as mazelas.
2. Sabemos que há um material humano e artístico riquíssimo no Norte e Nordeste brasileiro. Na sua opinião, o que falta para que o Brasil redescubra o Brasil?
LS: Se você tiver memória ainda do que foi o encerramento das Olimpíadas no Rio de Janeiro, lembrará que nas apresentações da cultura brasileira havia uma supremacia da cultura nordestina, principalmente. Ou seja: as produções artísticas apresentadas beberam nas melhores fontes da mais genuína cultura nordestina. Mas, infelizmente tudo vai virando apenas cerejinha de bolo. As culturas das mais diferentes regiões sofrem ações predadoras da indústria do entretenimento há décadas. Também há uma perversa e generalizada concentração de investimentos. O recurso da cultura vai sendo derramado de forma muitas vezes duvidosa. Principalmente nos grandes eventos, festas de padroeira e tal. Aliás, transformaram as grandes festas populares num fator de exclusão cultural absurda. Observe o que estão fazendo com o forró nas festas juninas do Nordeste. O forró vem sendo excluído ano a ano. Para que o Brasil redescubra o Brasil, se é que o Brasil já reconheceu o Brasil, precisamos acabar definitivamente como esses oligopólios midiáticos a serviço da religião e da política. A mídia brasileira é talvez uma das mais perversas do mundo em todos os sentidos. Fabricam ídolos de barro com sofisticadas e milionárias produções. Tudo é descartável. Os caras ficam famosos sem ter uma história pra contar. Enquanto isso, nossos grandes artistas e os mestres da cultura estão sendo asfixiados. Mesmo os já popularmente consagrados. A fabriqueta do jabá virou uma grande e poderosa indústria.
3. Você estreará muito em breve uma coluna na Mallarmargens. Descreva para os leitores do que se trata e seus objetivos.
LS: Agora você me pegou. Não tenho a menor ideia de como será e te asseguro que esta talvez seja a minha maior motivação. Encontrei Nuno Rau em Fortaleza, na Bienal Internacional do Livro do Ceará. Tivemos várias conversas muito agradáveis, mas não falamos sobre isso em momento algum. Nos encontrávamos pela primeira vez pessoalmente, como velhos amigos. Dias depois ele me surpreendeu com esse convite para escrever sobre artes visuais e eu aceitei, mesmo entendendo que estarei diante de um abismo. Atualmente meu objetivo é escrever a primeira coluna e medir a reação das leituras. Caso não consiga fazer esse caminho, peço pra sair.
4. O Lau escreve por necessidade? Por prazer? O que te faz escrever e o que você pretende passar através da poesia? quais as suas referências e influências? que leituras formaram o poeta Lau?
LS: Sempre digo que escrevo porque não consigo não escrever. Sempre desisto e sempre desisto de desistir. É prazer sim, mas às vezes fico exausto para escrever um terceto. Ou seja, é um prazer mais ou menos inevitável. Com todas as consequências dos prazeres mundanos da vida. Mas, de jeito algum é um sacrifício ou uma obrigação. Nem sei, também, se é missão, tara ou cacoete. Não me interesso por isso. Caso contrário, sofreria demais tentando explicar o inexplicável. Escrever é, sobretudo, um exercício permanente. Inclusive e principalmente, um exercício de leitura dos livros e da vida. Não penso em passar absolutamente nada com a minha poesia. Quando alguém se identifica com algo que escrevi, fico surpreso e feliz. Encontrar um leitor é um prêmio literário. Minhas referências passam pelo meu encantamento com a Poesia Concreta, com a Poesia Visual, com as vanguardas do final do século XIX e início do século XX. A chamada Poesia Popular, o Cordel, as Pajadas, as Cantorias, as Milongas, as vivências, enfim... na juventude eu lia vorazmente tudo que me caía nas mãos. Seja Proust, Balzac ou fotonovelas e os chamados livros de bolso. Mas, acho que algumas leituras foram fundamentais. Entre elas, Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Ezra Pound, Maiakovski, Nicolas Guillen, Drummond, Mário Faustino, Leminski, Cruz e Souza, Carlos Pena Filho e muitos outros. Sou muito aberto às influências, porque na verdade, as influências são escolhas. Mas, considero que tive e tenho influências fora da Poesia, como Raduan Nassar, Érico Veríssimo, Gabriel Garcia Marques, Maria Valéria Rezende, Maupassant e muita gente. Na filosofia com Edgar Morin, Ortega y Gasset, Bachelard e outros pensadores.
5. A poesia contemporânea está bem representada pelos jovens, na sua opinião?
LS: Não creio que a poesia contemporânea seja representada apenas pelos jovens. Nem somente apenas pelos poetas vivos. Aliás, no meu conceito de contemporâneo cabem os eternos, os imprescindíveis, os poetas de todos os tempos cuja poesia ainda é muito viva. No entanto observo que a facilidade para publicar um livro, nos dias de hoje, está provocando vaidades peçonhentas. Temos uma imensa quantidade de livros sendo publicados semanalmente e os leitores são cada vez mais raros. Porra, vamos pensar nisso pelo menos? Não estamos construindo referências. Há uma certa balbúrdia perigosa. Isso me lembra muito uma frase de um amigo, o grande e querido poeta e compositor Chico Cesar, que me disse o seguinte: “tem muita gente no palco e pouca gente na plateia”. Achei isso de uma sabedoria enorme. Penso que os poetas, especialmente os muito jovens, precisam se desfazer desse peso que é ser reconhecido como poeta. Pra quê? Isso é uma carga abominável nas costas do sujeito. Publiquei o meu primeiro aos 36 e acho que poderia ter esperado. Não há vantagem alguma em ser poeta escritor e publicar livros num país que não lê. Para alguns que me procuram, indico que trabalhem mais a palavra, que não tenham tanta pressa. Mas, isso não é de hoje. Estou cansado de ver amigos mais maduros que não reconhecem os primeiros livros da sua produção poética. Nem sempre sou compreendido, é obvio. Também, me recuso partir para o escracho. Não me acho no direito de detonar a poesia de ninguém. Não sou crítico. Sou apenas um leitor que escreve poemas. Mas, enfim, não se pode impedir, não é mesmo? Vejo que estão fabricando poetas nas rodas de política literária. Acho que isso um nojo. Tou fora! Todavia, não posso deixar de reconhecer que alguns jovens poetas são muito bons e já superam outras gerações em termos de qualidade poética. A melhor definição que eu li sobre a produção contemporânea, não lembro de quem foi (acho que foi do Joca Terrón), diz que é como se estivéssemos olhando para um liquidificador ligado, sem saber ainda qual é o suco ou vitamina que vai dar.
Poema do LIVRO ARBÍTRIO:
RESISTÊNCIA
o que me sustenta
sobre a carne e o osso
é não ter aprendido
a desistir
sobre a carne e o osso
é não ter aprendido
a desistir
viver é voar
até sumir
até sumir
LS
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Foto de Sara Andrade |
Lau Siqueira nasceu em Jaguarão, RS. Publicou os livros de poemas O Comício das Veias, Ed.Ideia, em parceria com Joana Belarmino, 1993; O Guardador de Sorrisos, Ed. Trema, 1998; Sem Meias Palavras, 2002, Editora Ideia; Texto Sentido, 2007, Ed. Bagaço; Poesia Sem Pele, Editora Casa Verde, 2011; Livro Arbítrio, Ed. Casa Verde, 2015. Parcipou de algumas antologias, entre as quais: Na virada do Século, poesia de invenção no no Brasil, organizada por Claudio Daniel e Frederico Barbosa, 2002, Ed. Landy; Bicho de Siete Cabezas, organizada por Martin Palacio Gamboa, Editora De Todos Los Mares, Argentina, 2010; Moradas de Orfeu, Editora Letras Contemporâneas, Org. Marco Vasques, 2011; Poemas que escolhi para crianças, Ed. Salamandra, Org. Ruth Rocha, 2012. Escreve para o blog A Barca, www.lau-siqueira.blogspot.com. Mora em João Pessoa, PB.