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[PRECISO COMER ALGUÉM]
Preciso comer alguém.
Diferente.
Com toda gula.
Com carinho-violento:
Morder os músculos. Sugar o lábio. Entrar.
Cavar a unhas a epiderme e o além dela. Subverter a pele.
Desmascarar o segredo do corpo e do que está além dele:
Decifrá-los!
Ou então, devorá-los.
!Devorar!
Sim, em todos os ângulos possíveis, a geometria da carne.
Com furor, intensidade.
Comer os braços. O abraço das pernas e do que está além delas.
Mas digerir também os olhos.
Digerir ainda, as palavras. Cada letra da boca.
Cada gesto – cinema mudo.
Degustar a luz. O riso.
Comer qualquer fluido.
!Tocar! Toda pulsação cardíaca no tato.
Engolir a aglutinação das auras no movimento dos cílios.
Mastigar, paulatinamente, a epifania do ato.
Comer alguém infinito
que me traga a finitude de tudo
e um curto-circuito as minhas sinapses.
Saborear a divisão dos nossos mundos, e
desde o início:
Comer assim
e assim me sentir comido.
[VAGA LUMES]
À noite escura
pelas ruas escuras
uma alma escura procura.
E numa casa escura
em um quarto penumbro, sob o luar
as pálpebras abaixadas
deixam tudo mais escuro:
o rosto
o sussurro
o receio
o resto do mundo.
Eis que nas paredes escuras
escoram-se duas luzes nuas.
Acendo no escuro:
Todo gesto livre é puro!
E a película quase escura da vidraça
filma as silhuetas escuras
:
Um corpo a adentrar outro
como antídoto, cura
para que perdure
ou se repita
o que
no escuro
sob o lumiar cheio da lua
adoece
e uiva.
[SOBRE ÁGUAS]
Não é demais
pedires pra seguir teu caminho
quando não queres partir?
Olhos distantes, dizendo adeus
com o coração entre nuvens carregadas
De longe, assisto à ida
[junto ao deserto que deixaste úmido, ainda]
:
andas triste
a passos falsos
e na tempestade das palavras líquidas que precipitamos
teu desenho vai
até sumir no horizonte
:
essa linha-fim de um percurso
que marcaste pisando em lágrimas.
[SABER O SABOR]
Querer -e poder, quem sabe sentir
mais uma vez
a dor azul que nos encerra
por trás de tua nudez.
Como
raiz fincada na terra,
que, regada ao líquido luz,
semeia o corpo a que seduz.
Enquanto a mão passeia pela carne trêmula
entre esses horizontes invertidos,
revirados para um só fim.
Bocas em diálogo
com a extremidade de cada verso e,
em teus outros lábios,
Eis que
falo:
Teu gosto é doce.
[POR NADA]
Por nada:
Não seja por isso
se o amor for um favor
ao qual estamos desobrigados
por doar o vazio das solidões
que doem lado a lado
ainda que nos fira o impulso
dos corpos pendentes entre a entrega e o recuo
Imagina!
Abrigado, eu
já que
“não há de que” (ou de quem)
já que não faz sentido
tanto lugar desabitado por alguém...
quando, em silêncio
cede-se o espaço que excede
quando amar é dividir com o outro
aquilo que a gente não tem
Por nada:
Amamo-nos por isso.
Poemas do livro "Corpo cárcere ou Palavra Libido"
Galeria: Alle Manzano
Israel Antonini é natural de Osasco, SP. Cursou Letras na USP, extensão em Literatura na PUC-SP. Já editou revista, organizou antologia de festival literário. Tentou manter blogs -sem sucesso. Tem textos esparsos em jornais, revistas e sites de literatura. Em 2006, publicou o livro identidad&plural [ed. do autor] e, pela Editora Patuá, Colírio, em 2011 e Longi-tudo, em 2015. Hoje, divide seu tempo entre música, imagens, amor e amizades. É baixista da Euphúria.