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3 POEMAS DE VALESKA TORRES

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Carne Moída

Torrando no meio fio do Ceasa,
homens armários me olham de esguelha,
sabem que ferida aberta é lugar para mosca botar ovos.

Abobrinha carne moída arroz feijão
o prato está na mesa.

Rolam os dados
no tribunal
vencem
os mais fortes
de pele
de olhos
de cabelos
de sacos
no cemitério de Inhaúma
um atrás do outro

Pretos acumulam cargas,
dentro de caminhões baús
o burrinho sem rabo empena
no sol à pino
saem gargalhadas
ele ri de mim
ri de todos
exceto
das sungas maiôs

Búzios. General Osório. Zona Sul.
Praias e mais praias com gente miúda na quarta-feira
o dólar está em alta magra sexy salto 15 saindo da boate um escândalo
na bolsa da mulher foi baleado um garoto correndo entres os carros na avenida
Nossa Senhora de Copacabana, onde a Senhora se escondeu?

Anteontem pintei minhas unhas
de vermelho
nas ruas de São Paulo
o gongo soa em colapso nervoso grita comigo,
não sei revidar

Acumulam-se inacabados:
cinco ou seis projetos arquitetados que estão a essa hora do dia remendados com fita crepe.
dois ou três possíveis relacionamentos que nunca disseram a hora ou o lugar de encontro.
um quebra cabeças, duas costuras no rasgo de minhas blusas e 46 horas mal dormidas.
Depois de velha e pelancuda o que me resta é ser comida pelas traças
em mim cabem
vigas aço concreto camisinhas cacos estiletes balanças dedos esmalte absorvente fígado queijo nojo


-


Espectro

ainda é permitido enrolar tabaco em folha de seda nas praças públicas
ainda as praças são públicas

nos cômodos de minha casa me são negados cartões de créditos, cheques
homens
são tempos de ligações desesperadas em busca de cesta básica
de esgoto amarronzado bosta carne comida camisinhas usadas
                                                                         de casca de paredes rachadas limo

estiletes em latim
cortam os homens frágeis
que nunca habitaram nada
sequer um metro quadrado do meu seio

as horas do almoço são mínimas
as cozinhas também
todos em caixas de papelões revirando sacolas plásticas

no quitungo é noite
        nos seus olhos
nos seis olhos
   nossolhos
debaixo de carapuças
a observar
espectro na porta à noite,
invade as persianas
cinzas,o mofo
esconde-se entre as almofadas.
o edredom roxo com ursos e pirulitos rosas

preenche o meu quarto, na neblina;
um guarda volumes abarrotado de coisas usadas; uma soleira de madeira; o espectro de casaco preto com um copo de vinho nas mãos, espreita meus sonhos tingidos de amarelo gema.

a vingança destruiu as suas melhores horas, digo a ele.
uma seda comprada a varejo,
e o corpo já não se satisfaz só pelo estômago
- coração é máquina do tempo
entre os dedos queimados
o beck em nossas mãos
termina em feridas.


-


Corações de Alcachofra

corações de alcachofra em conserva de óleo
mastigados depois do jantar
sobre a mesa
os pratos, os talheres, os corpos usados

abutres miúdos e vesgos
rasantes
afiam suas unhas no amolador de facas

arrancam as peles gorduras
jogam na vala atrás de minha casa
desfiguram a carne putrefata

explosões sucateiam o ferro
agora corroído serve de mordaça

a cidade dorme como se nunca houvesse
amanhecido. na madrugada
forra-se o tapete infestado
de ácaros

odor de alho na sola dos pés
caminhando sobre as ruas
os velhos não usam sapatos
deus não anda entre os meus
sobrevoa em helicópteros
arranhas céus
onde dorme em colchão de penas




*    *    *



Valeska Torres nasceu no Rio de Janeiro, Marechal Hermes em 1996. Mora em Irajá. Publicou poemas em "Do rio ao mar", coletânea de poemas, crônicas e contos, e no jornal bairrista Rio Suburbano. Contato.









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