Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

3 poemas de "Forasteira" de Bárbara Lia

$
0
0


Eu tive uma briga de amantes com este mundo.
Robert Frost


Já sentiu que o chão não acaricia os pés e o céu não agasalha?
Sentiu o vento da indiferença em cada rua e cada aposento?
O bafo do descaso pelos corredores, os olhares atravessados e os sussurros à sua passagem?
Já bebeu o fel amargo da água que nunca é tua, o poço que nega a veia da partilha e portas fechando-se à sua passagem?
Sabe o que é ser forasteira do berço ao túmulo?
Eu sei
Eu sou

***


Sou um estilhaço de estrela
Que passou uma temporada
Plantando rosas no inferno
Sou uma menina cega e muda
Que viveu no Lupanar de Pompeia
Sou uma guerreira destroçada
Que desaba aos pés da deusa
A ela entrega a rosa impossível
E murmura: eu a colhi!


***


Dimensão Angústia

Na dimensão angústia não cabe o sabor felicidade
Dança de folhas vivas - balé de sombras na janela
Som de sinos dos ventos a invadir veias – letargia
Carpe diem Sinatra rosa quartzo chantilly no lábio
O doce macio flutuante rascante (nuvem na veia)
Na dimensão angústia olhar degela - piche fétido
Negra lágrima rasga a pele açucarada de perdas
“Perder é uma arte”, diz Bishop – poetas mentem!    
Raça enganosa a esculpir torpes desvios para o fim
Diz para mim que água eles bebem? De que fonte?
Diz em que lugar penduram seus corações de feltro?
Onde os poetas leem suas doutrinas embaralhadas?
O que os leva ao rito estoico? A propalar belezas?
Na dimensão angústia nada sobrevive, e eles seguem
Pintando muros bradando versos tecendo a sangue
E o mundo vai virar escárnio e vai virar inferno...
Ainda assim eles estarão lá a bradar: em algum lugar
Em algum lugar eles viram um pássaro raro e único
Em algum lugar eles encontraram a nascente do céu
Em algum lugar um homem era feliz, além da dor -
Atrás do muro da vergonha. As formigas cantam
As borboletas governam e o poeta insiste, abissal
Reinventa Deus sem cerimônia e grita e grita e grita
Na dimensão angústia alguém corta sua garganta
No dia seguinte o pai diz à filha que é permitido
Na casa em frente o velho abandonado caminha
As paredes rugem dor milenar a gritar a morte
O velho está morto e não sabe e caminha e sorri
Na cadeira corpo morto emite gases ele não sabe
Que os mortos seguem mortos na sala vendo TV
Nada cessa na dimensão angústia, desmorona tudo
Só o poeta segue a tecer haicais e versos brancos
Milhares de pílulas de otimismo e doce paisagem
A dimensão angústia clama um verso purulento
Um verso ao menos que exale o cenário cruel
Um verso que diga que o mundo apodreceu há dias
Enquanto um poeta dizia da luz clara de Maria
Ou da onda azul que morreu aos pés da santa
Ou daquela tarde em que foi feliz em Biarritz
Alguma coisa qualquer que lembra ananás e flor
Esta epopeia insana: viver no mundo das matinês
Technicolor estupendo - sorriso de Marilyn Monroe -
Vendo um filme antigo na tela e o mundo lá fora
Dimensão angústia que – dia a dia – deteriora



 Ilustração – Eleusis by Marcin Owczarek



Fotografia: Daniel Castellano
Bárbara Lianasceu em Assai (PR). Poeta e Escritora. Professora de História. Publicou dez livros, entre eles: O sorriso de Leonardo(Kafka edições baratas), O sal das rosas(Lumme), A última chuva (ME), Constelação de Ossos (Vidráguas), Paraísos de Pedra (Penalux), Solidão Calcinada (Imprensa Oficial do PR) e Respirar (Ed. do autor). Integra várias Antologias, entre elas: O que é Poesia? (Confraria do Vento / Cáliban), O Melhor da Festa 3 (Festipoa), Amar -  Verbo Atemporal (Rocco), Fantasma Civil (Bienal Internacional de Curitiba), A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua (Maputo). Vive em Curitiba.

Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548