Ir a lugar nenhum
uma ideia idiota
estacionar em
estremecendo
constantemente o
advérbio
Percorro o verso com
passada para não
comprimir pulo espaço
quero fazer uma linha mais comprida bem mais esticada
desfazer o cubo
fio
__
Hoje o dia está radiante
talvez seja apenas um senso
mas algo comum assim
sempre quando se entra
se compartilha no elevador ou
na sala de aula cheia de atenção
janelas abertas olhamos para cada
uma sofrendo dessa irradiação.
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Setembro começa o vento frio mas não tão frio.
um Cristo no alto da montanha denuncia
toda a geografia
isso é daqui aquilo é dali entretanto
entretanto está no meio
misturando um tanto
você está na janela
depois partiu
verbo sem
complemento
apartamento
numero
tal
a
página
do livro no circuito das linhas
pretas na folha de papel pardo
isso é tão circunstancial um contexto um
volume de lombada virada para o mundo.
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queria dizer algo importante mas o momento passou e já
esqueci queria dizer algo importante para você algo que
pudesse mudar sua vida algo sobre o olhar diante
das pequenas folhas verdes que ainda estão grudadas nas
árvores algo como quando daqui a um tempo elas cairão
quando se tornarem amareladas elas caem mesmo
aqui nesse país tropical elas costumam cair pelo menos
algumas folhas caem em determinada época do ano aqui
nunca é muito determinado ainda mais com esta mudança
climática tudo tende a se embaralhar queria escrever algo
muito interessante a respeito de um determinado olhar
uma visão poética que me fizesse sentir bem viva
como é viva essa fulana mas toda vez
acontece isso sento para escrever palavras cheias de
boas inspirações e elas caem sobre
as folhas abobadas boquiabertas estupefatas com a
total banalidade e desinteresse em encontrar algo relevante
para dizer sugiro então que você preste atenção a cada
palavra grudando uma nas outras da maneira que
preferir (duração de 2 minutos).
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Uma bomba localizada em meu peito – outras estão por aí
– a cada lado esquerdo uma bomba e eu escrevendo. Agora
você pode ler – pode também reler – repetir e bombear –
dizer que um ritmo é seguido – a partir de seu mecanismo
lírico. O estado sentimental deste mecanismo – ele
continua bombeando meu sangue com maior ou menor
rapidez – se resulta em um estado de angústia a cabeça
produz pensamentos desconectados – o sangue circulando
– um ardor é sentido no plexo – Quando você estiver
lendo recomece tudo de novo.
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Entendimento esquivo
a máquina do mundo se entreabriu
Carlos Drummond de Andrade
uma atenção intensa
basta para conquistar não
o mundo não basta estar no mundo
ficar distraído forçar mudo
a visão a máquina a máxima a
atenção
mesmo contorcida
veja bem o meu caso
olho fixamente para o seu poema
suas mãos me tocam ou quase
raspam minha cara
aquela palavra funda distorce um sentido fundo
eu não vejo nada
a carícia
em torno o sol não se move volta
escurece
tapa
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POEMAS DO LIVRO
No circuito das linhas. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2016.
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Masé Lemos nasceu em Belo Horizonte e vive no Rio desde os 7 anos. Poeta, tradutora e professora da Escola de Letras da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio, é autora de Redor (7Letras, 2007) e Rebotalho (2015, Cozinha Experimental).