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6 poemas de Vinicius Mahier

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Ilustração: Gilad Benari


GOLPE

essa é a língua. pior: essa é a linguagem
                                        fabiano calixto


quando a força não se justifica
– e não se justifica
por motivo
de força maior –
a palavra é a casca de noz
da democracia

(as armas pairam sobre nós
mas é de dentro que se ouve o tiro:
não aceitaremos a palavra golpe)





QUANDO CHEGAMOS AOS PORTÕES


quando chegamos aos portões
o trauma já estava encrustado na pele
metamorfoseada.

fomos banidos do vão
entre nossos corpos e aquilo a que chamamos
memória
e que não é senão a máscara
da nossa condição
de eternos cadáveres sobreviventes

sobreviventes
sobreviventes
sobreviventes
sobreviventes

e mesmo assim
cadáveres

                                   "cadáveres adiados que procriam"
                                                               ricardo reis




I WANNA HOLD YOUR HAND


quando olhei para o corpo estirado no chão
olhei primeiro para o poema

foi a carne do poema que eu vi espancada
foi o sangue do poema que eu senti na boca
a nudez do poema que entrevi anônima
i can't hide i can't hide i can't hide!
foi a mão do poema que eu quis segurar

estendi o braço em direção ao corpo
e na mão concentrada eu pus de pé a palavra

depois
foi com o corpo do poema que eu corri
temendo esquecê-lo

oh please, say to me
can the dead subaltern speak?

a) o corpo era preto.
b) o poema é branco

a) o corpo não tinha mais sexo.
b) o poema é hétero

a) o corpo era osso miséria.
b) o poema talvez tenha peso pra ser publicado em alguma revista
literária voltada às minorias (a alguma pelo menos, não importa)
um mês para o e-mail de resposta aceitando ou não publicá-lo
será que o poema resiste tem fôlego dura a comoção estará
assimilada esquecida automática e o corpo

and please, say to me

responda no chute, no soco, à paulada:

b) o poema tá vivo




É PRECISO ODIAR AS MULHERES


é preciso odiar as mulheres
é preciso bem mais que odiar as mulheres
deve-se ver nelas apenas a imitação
no mínimo ridícula de nós, homens desta terra.

é preciso odiar as mulheres
de preferência não nascermos delas
tirar-lhes a única função
       que acumulam no mundo.

é mister é mister é mister
(se eu fosse mulher, isso seria uma rima
não seria uma resolução)

é preciso odiar os homens
é preciso bem mais que odiar os homens
deve-se ver neles apenas o espectro
no mínimo antiquado de nós, mulheres de punho.

é preciso odiar os homens
de preferência não os parirmos
e assim lhes tirar a única
     razão de haver no mundo.

é mister é mister é mister
(se eu fosse um varão, isso seria uma rima
sem ironia
de uma outra pretensão)

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido
como madame satã.



Ilustração: Gilad Benari


SOBREVIVÊNCIA


fuzilaram a trégua contra um muro de corpos.
agora dormimos em pé
                                qual
                                estacas
           cravados na pedra onde nada se firma.

é o medo — de que nos roubem até isso,
a pedra maciça onde nada se firma.

porém a cadeira resiste
                              qual
                            pedra
         cravada na estaca onde nada se deita.

cadeira

não pode narrar. não silencia.




ARQUEOLOGIA


é preciso escavar com os ossos
o corpo onde os ossos estão enterrados.




MISÉRIA


como dizer a palavra agonia
se a palavra agonia é gengiva estragada
na boca sem osso e saliva
da tua fisionomia

como dizer a palavra espera
se a palavra espera é o rim repartido
que eu furto e me implanto
depois de furar a fila

como dizer a palavra frio
se a palavra frio é a quase coberta
que eu puxo de noite, deixando invisível
teu lado da cama

como dizer esta palavra abismo
se a palavra abismo é o pé que te empurra
e instala o meu equilíbrio / à beira
                                            da tua cova

como dizer a palavra miséria
se a palavra miséria é o que eu te tiro da boca
e estreito na minha (debaixo da língua)
e te aumento a miséria

como dizer a palavra insistir
se a palavra insistir são os vãos dos teus dedos
e o punho cerrado desta caligrafia
nunca se abriu pro contato

como dizer a palavra e como dizer
a palavra e como dizer
se no fundo eu já disse, na falta de fundo,
cada palavra, mais de uma vez.





Vinícius Mahier, 22, é graduando em Letras pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Publica seus poemas no blog No Passeio Íntimo(nopasseiointimo.blogspot.com). E-mail: viniciusmahier@hotmail.com






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