I
Surpresa pássaro,
um pouso
sobre as palmeiras imperiais.
Aproximou-se
com seu canto fada –
magia
Do bico branco
ouviram-se cantigas gregas
esquecidas.
É meio-dia
o sol dono do céu aquece
percurso pássaro,
a flor,
e investiga os olhos de quem observa
Desejo
sem sombras,
ela some segura
fora do tempo.
II
Sobre o branco se fez
e essa é a história de gente
pontes, retratos e memórias
Quem são essas pessoas que passam
diante do sol em vermelho enquanto chove?
E o que se vê são pernas que se morrem
tentam e tentam,
a custo e morrem
A chuva lava a poeira em vidro derramado
Sob o teto, árvores que enredam dossel
numa história de fim de tarde
à espreita do oeste
para onde tudo se vai e se corre verdes
sinais
De dentro: rufares
por ruelas buscam fios sem oclusão
Talvez uma elegia
em história de um retrato
onde ninguém se move, espera-se
e se parte ao meio em golpe de chuva
sobre o papel
Sangue.
O que haverá depois daquela porta ao fundo
do retrato?
Histórias de chuva
cicatrizes, pontes que ligam
remendos
lembram, quem sabe, olhos de papel pela
janela,
o Mundo
de branco, verdes sinais sob o sol das seis
morno de água sobre o asfalto
de uma longínqua cidade já morta por onde
passa
o Rio.
O que haverá depois da chuva?
III
Mar se fez meio
Plástico em azul
cicládico nos confins do Egeu.
Almas violetas volvidas aos primórdios.
Via-se assim. E ficou.
Depois dele, Mistério,
fogo, silêncio primevo
Tateio a terra e finco.
Vejo, adentro – o Tempo
suspenso
no ar e nas luzes. Deuses sopram grãos,
agora.
Aqui, dourado
lá, prata, suaves enguias,
de onde ouvem-se sinos,
toadas sem rastros – nós
E nisso escapa o Sol,
quando os olhos piscam,
outra vez,
e deslizam para o bulcão.
Acho que ela dormia.
IV
Um outro olhar repousou sobre
aquelas delicadas.
De pronto, do mar, que era rio,
refrega de vento súbito
esvoeja cabelos
Fazia sol.
Sob as sombras diagonais, de mormaço
úmido,
alguma dor, sempre retorna,
e uma linha cinza distante
cola à retina
a baía de Colares plúmbica
Antigos olhos me dizem de ti. Não sei.
E o ar quente da ilha salobre
percorre aquele corpo sem lei
desferido de alguma presença.
Flor de ventosa flutua nessas águas que
correm
e disseminam, desprovidas,
sem pertenças,
o quê
para onde
afinal?
V
para Guilherme
Alguma transparência separava os dois
mundos
por meio de um quadrado que foi
permitido
a ti, a todos.
Então, pôde-se ver o tom de pêssego
da boca que descansava.
Do mesmo matiz era o xadrez
que na ocasião o cobria .
Dele, riscos paralelizavam seus olhos
e ninguém podia crer no final daquela
partida.
Em torno, círculo de almas. Há muito não
se viam.
Úmidas, próximas e apartadas.
Sobre o verniz, a luz fingia. Disfarce da vida.
Limite ou imanência,
quando os anjos se despedem nesta estação.
No parapeito à amplitude, vertigem
e não se pôde ver o tempo dele,
pois eram planos diferentes. Outros.
VI
Para Souzândrade
Em janelas condenadas às raízes,
guesa, sem casa,
sangra coração sob o sol
Órfão errante escape ao sacrifício,
menino propício, o bacante andino
não se aparta, poetifica,
junta palavras ao pensamento
que através do céu alumia
cambiantes opalas
sacras danças dos fortes
ao redor da fogueira que estala
cuja claridade aumenta: puro luzimento
O PAI
Um dia, encontrei-a sentada em frente ao
mar, a lembrar daqueles olhos. Contou-me
que certa vez, assim que se instalara, por
aqui, recebera a visita dele. Ela mal conhecia
a cidade. Chegara havia pouco. Naquela
época, sentia-se mais estrangeira, ainda.
Então, ela saiu atrás do sonho, como se
falava entre família. Enfim, as escolhas
foram feitas e ele viera ver de perto. Seguir
adiante, imprevisibilidade. Em sua primeira
aventura, não sabia das voltas, das curvas e
dos retornos. Atirou-se. Mal sentia o vento
sobre o rosto. Atirou-se. Estava feliz. Ao
longo, fez amigos. Celebrou com eles o
momento, a beber chopp na Cinelândia.
Que bela cidade! O teatro, de perto, o
museu, a biblioteca, essa Babel. Dali, desceu
as escadas do metrô às pressas. Sabia que ele
estava à espera. Saltou no Palácio, e seguiu
rumo à Praia. Subiu o segundo andar de
elevador. Estava ansiosa. Ele lá, quieto,
sentado no sofá da sala. Consegui, disse ela.
Ele a olhou, sem dizer nada. Olhos turvos
pelo tempo. O pai. Era nesse olhar que ela
pensava, ao contemplar aquele mar
silencioso em calmaria, naquela tarde morna
de outono, quando eu a encontrei no
calçadão de Ipanema.
__________________________________________________________________________________
Nádia Barbosaé paraense. Vive no Rio de Janeiro há 30 anos; além de poeta, é também doutora em Literatura, professora de Literaturas em Língua Portuguesa, Teorias da Literatura, História, Filosofia e Política.