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3 poemas de "triz" de Lubi Prates

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como chamar de
pátria


o lugar onde nasci


esse útero geográfico
que me pariu


como chamar de
pátria 


o lugar onde nasci


se parir é uma
possibilidade      apenas        feminina e


pátria traz essa imagem
masculina & país traz essa
imagem masculina & e o próprio
pai em si


como não chamar de
pátria


esse lugar onde nasci


embora ainda útero geográfico
que me pariu, mas


me expulsou:


pátria não cabe numa mãe.




condição: imigrante



1.



desde que cheguei
um cão me segue




&




mesmo que haja quilômetros
mesmo que haja obstáculos




entre nós




sinto seu hálito quente
no meu pescoço.





desde que cheguei
um cão me segue




&




não me deixa
frequentar os lugares badalados




não me deixa
usar um dialeto diferente do que há aqui
      guardei minhas gírias no fundo da mala
ele rosna.




desde que cheguei
um cão me segue




&




esse cão, eu apelidei de
imigração.





2.



um país que te rosna
uma cidade que te rosna
ruas que te rosnam:




como um cão selvagem




esqueça aquela ideia
infantil aquela lembrança
infantil




de sua mão afagando um cão
de sua mão afagando 




seu próprio cão




ficou em outro país
        ironicamente, porque a raiva lá
não é controlada




aqui, tampouco:




um país que te rosna
uma cidade que te rosna
ruas que te rosnam:




como um cão 


: selvagem.



deslocamentos

marquemos com X
    num mapa mental
todos os lugares onde
    nos cruzamos, antes de
nos conhecermos.


um exercício que 
desmente o destino.

na década de 80 nascemos em
São Paulo.


quando cheguei em Amsterdã
naquela manhã chuvosa
você     já     estava.
eu desfazia minhas malas enquanto
você tomava café com poeta desconhecido 
no centro da cidade.
na semana seguinte
você pegou um trem e partiu.


você treinou seu francês em Paris
    onde eu nunca estive
você passou sua infância em Kyoto
    onde eu nunca estive e
de onde seus avós migraram durante a
segunda guerra:
descartemos.


em 2003 fui para um congresso de Psicologia em Buenos Aires
    onde você nunca esteve
em Viena minha malas foram extraviadas
    onde você nunca esteve:
descartemos.


onde você nunca esteve
onde eu nunca estive
onde nunca estivemos


marquemos com X
    num mapa mental
todos os lugares onde
    nos cruzamos, antes de
nos conhecermos.


um exercício que 
desmente o destino.


nas férias de verão de 97 visitamos a
Bahia de Todos os Santos com nossas famílias
brincamos no Pelourinho
quantos desejos couberam naquelas fitas do
    Senhor do Bonfim que
já não trago em meus braços?


em Madrid choveu tanto que
nenhum avião chegava partia e eu
    fiquei presa entre essas ações.
você assistia a apresentação de dança
da sua melhor amiga.


horário de pico, linha azul, São Paulo
em 2010 poderíamos nos esbarrar
pareceria fácil pareceria irônico.


marquemos com X
    num mapa mental
todos os lugares onde
    nos cruzamos, antes de
nos conhecermos.


um exercício que 
desmente o destino:


onde quer que você esteja
eu não estou.




Lubi Prates é poeta e tem publicados os livros coração na boca e triz (Editora Patuá, 2016) e alguns poemas em antologias nacionais e internacionais, além de jornais e revistas literárias. Edita a revista Parênteses e dedica-se a ações que combatem a invisibilidade das mulheres no meio literário.

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