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8 POEMAS DE RITA MEDUSA

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The girl with the scar - Tine Van Damme


A cicatriz coroada

minha docilidade dependia dos teus abusos
você era eleito no meu deserto
olho de Shiva na piscina 
quando gotas e joelhos me amaram 
em restos amargos
do teu calor alarmante 
acordando de um sono infinito
adoecia como quem devora lucros
e vai calada pelo inevitável
fui cama dos teus delírios
métricas no teu pecado
eu te devolvo estes faróis bêbados
como quem nunca quis sinais


Anunciação

Os meteoros saberão que você está chegando
pelo barulho dos seus tamancos 
atropelando o jejum de cores aborígenes
que eu tramava pro teu aniversário
e a gente percebe que está sendo vigiado
pelos olhos do pecado
que tanto nos zela
gozos letais


Espirais

1
o desvio é um monge
praticando grito 
na leitura dos moinhos

2
numa busca de inferno de bolso
ou navalha de puta
a fotografia verbal
escorre da garganta dos anjos

3
teus suspensórios de corrente elétrica
confundiram a fonte secreta 
dos animais sagrados
jantando excessos
no alto da montanha

4
o orvalho recusou a escalar  
a muralha das delicadezas infames
que deixaram mofando
na prateleira do incrível

5
é proibido navegar
sem o alerta dos passionais
santificando a anatomia da realidade


Perspectiva oscilante é encontrada levitando na estrada

preciso investigar a tua temperatura e golpear o escuro com tuas lanternas chinesas
libertar a selvageria dos cativeiros previsíveis
queimar e dançar teus velhos cadernos 
preciso que você assuma estas fronteiras e abrace meus delírios
preciso que você suma do mapa e me traga uma nova geografia

devo dizer-lhe que teus crisântemos foram exilados 
e teus corvos exageraram no éter
no final das contas, estaremos sempre sendo atirados
para dentro da boca do asfalto 

lamber o sol através da tua boca
desaguar em algum beco a estrutura neurótica e terna
a canonização dos modos estranhos
capturando tuas retinas no coração da cegueira 

nos resta sofrer de pulsações alteradas
na porta do cinema


Black crows - Tine Van Damme


Sintomática 

aquele caco que virou o manto dos meus bandidos
esfarrapados, descrentes, entorpecidos
presos no farol doutro lado da goteira

o autismo não te colocou
chinelos nas ideias hoje?
nem um mero telefonema de adeus
da tua nobre histeria?

observo a paisagem torturada
as línguas mortas que ousaram
o teatro dos Deuses para as formigas
e dos que não saíram da cidade por causa
da inconveniência de suas alegrias selvagens
o rosto iluminado pela lascívia 
e a mão tremendo gestos opacos

a iluminação dos malditos dorme ao teu lado
e lá dentro uma corda retorce
teu passo acelerado a caminho do centro
cambaleando infinitamente para fora do roteiro

benditos aqueles que a selvageria nina


Elétrica paisagem

as portas estão fechadas
os ombros ardem de contentamento
e sou um robô quebrado
mas intacto no imaginário 
arrastando meus circuitos pra derreter no sol
é o espetáculo do dia
para os camaleões de sapatilha 
amontoados nos aeroportos
levando tesouros internos
chorando nos terminais 
cativando formas e cores
desempenhando escamas fugazes
para turistas impiedosos
da mesma melodia
o curto-circuito 
do que nunca soube
a mecânica do funcionamento 
das sutilezas vorazes
e de um sorriso torto
que emprestei ao passado
para passar despercebida
no território das janelas 
que estão sempre abertas
com suas palavras de vento


Ze zijn zo lief meneer - Tine Van Damme


Medidas do nocaute

estátuas de sal crucificadas
meu corrimão entardece
tenho quilos de desvantagem na tua frente
empobreço os olhares
um beijo duvidoso me condena
tenho horrores nobres na tua frente
encolho pássaros venenosos
um campo desnutrido me arreganha os dentes
frente e verso de deslocamentos
não tenho nudez
esferas líquidas me vestem
deduz-se que estou morta e procurada
envolva-se com a minha vaidade
artilharia desvirtuada de cínicos
o ritmo fervilhando
os metros de inutilidade
procuram-te.


Secreção do avesso

Derramada quando o sopro avisou
Que meu bicho sofrera uma lesão irreversível
Olhos de chumbo e cordas plurais
Para a melodia dos mísseis
Meu óvulo no fundo
Da piscina dos teus olhos
Cantou no seu primeiro funeral húngaro
E deslizou na metade das agulhas fascinadas
Visitei os internos, as alas, as classes
Os pátios doentes nos horizontes de saia suspeita
Pulsou quando um ventre de sereia chovendo
Explodiu minha janela
E minha inocência saiu nua no quintal
Para celebrar o maravilhamento dos teus dedos
Dançando nas medulas




Rita Medusa, paulistana, nascida em 1980, formada em psicologia. Transcreve para sobreviver, escreve para viver, bebe um pouco. Os poemas selecionados fazem parte do seu primeiro livro de poemas Hipnose para um incêndio; a ser lançado futuramente. Tem um blog abandonado que ainda está no ar: http://ritamedusa.blogspot.com.br/

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