lá as mulheres
no pescoço conchas
nos pés segredos difíceis
já em casa
sobre a mesa
a densidade das mãos
uma garrafa de aguardente
e um cupuaçu aberto
em composição
chove e bebem muito
enquanto seda e linho cumprem seu silêncio
por debaixo da porta
enfim a carta:
tudo que respira atravessa o impossível
*
é pouca a luz
e eu aproveito
pra te pedir que
percorra o teu mangue
que disseque com os pés
o pavor do real
e só então diga
da casa das janelas
dos relógios das posturas
vai espalha a tua gosma
sobre o silêncio impossível
sente o azedo no fim da língua
manifestando o veneno do signo
e cala estes ruídos que
ora esmagam
as coisas do mundo
você bem sabe que
qualquer brecha fermenta a dúvida
ali onde o gesto irrompe a água mansa
é frágil a matéria e seus contornos
são frágeis as magnólias mortas
somos frágeis sobre o cascalho
sobre essa coleção de insetos
debaixo dos pés
não é minha culpa
vamos seguir tentando ver o fundo
o avesso dos órgãos como é que ressoam
como é que encharcam o verbo
vamos seguir batendo na porta
*
dentro do cochilo
alguém sussurra:
praquele que ainda
viver do espanto
restará depois
o corpo guardado
em ninho de mel
e algodão
Foto: "Muda", Pablo Lobato, 2016.
* * *
Pollyana Quintellaé poeta, curadora e crítica independente. Formada em História da Arte pela UFRJ e mestranda em Arte e Cultura contemporânea pela UERJ. Atua como pesquisadora na Casa França-Brasil e coeditora da revista USINA.