Reverse of volume (instalação de Yasuaki Onishi)
isto não é um começo
não há começo num
poema sem palavras
ouçamos deslizarem pela sombra
os ombros de uma forma
esquecida
o esforço de blocos se afastando
sob a orquestra congelada
dor laqueada na mobília de onde retiraremos gavetas vazias
você se mescla de
outros ocos
e vem
ouvir
o
chiado
das asas secas de uma libélula que
mastigo entre a saliva
o próximo nome extirpado do poema
dedo que falta
por ser a escrita
você goza
morre
o sentido envenenado cintila
CONDIÇÕES DE CAPTURA
Uivar em código
[ladrilho mínimo das peças]
em QR-Code
porque o caçador virá
leitor nômade
que atira andando
e
some
PORTANTO (ENTÃO) A QUEIMADURA POR DIZER
quero ver a costela
trincada
bem aqui debaixo da respiração
por engolir buchas de papel e esculpir
a asfixia
o granulado de dores trânsitas
ou a força se quisermos rasgar a pele
porque na doença de procurar palavras
ou toxinas ou serrotes nadando de volta
pra fora dos brônquios
colhe-se a dor dupla de buscá-las quando
elas já tremulam aí e ainda escapam
quero ver a costela carbonizada a
embolia vulcânica se tufos de vapores,
as paredes da chaminé pelo lado de dentro
o casco enegrecido das palavras devolvidas
inconclusa medida
desfolhar a ilíada e forrar o museu alagado
pisar os corpos que escorreram das obras
no ranger de costelas tangendo fibras que
conheceram as brasas
LINGUAGEIRA
para a primeira mulher depois de Eva
NOME ANTIGO NOME TRANSPOSTO
corpúsculo de malpighi....................polpa esplênica
anágua supura...................................burca
prega de douglas...............................prega retouterina
sulcos do toque.................................moldes de silicone
noite do símbolo...............................desenigma
ângulo de his.....................................incisura cárdica
opacidade..........................................anorexígenos
fala....................................................revestimento
masoch..............................................site
paquímeros........................................tubos ventral e dorsal
presença ausência..............................presência
estroma corneano..............................nikon
tróclea................................................abdução de eva
INVISÍVEL
a Roberto Corrêa dos Santos
a escrita abre palavras que nunca estão abertas
não solapar este nada com significações
na face estéril da letra-rudimento,
o olho de vidro
clarividente,
abro a clave inóspita do artifício
procuro nomes [gesto tardio]
só posso errar
não haverá interpretação
antes da linguagem
havia a poesia
o ser escasso arrasta-se pelo labirinto de areia
escreve
circunscala o buraco
há tempos uma chuva ácida suicida
despenca na
página – leituras
motores abertos pele do avesso
daqui de onde não se ouve a voz do mito
gélida irrisão como que a sombra a pólvora de uma
escrita
gosmadrepérola
lesma pelas paredes de ar
só são possíveis jardins nômades
aspas voam cegas
não há entrada [pedra de szymborska] ou um
estado de permanência a buscar dorso do espelho
a margem pelo lado de dentro
do rio.
vidros sobrepostos compõem essa ilusão de ar
atravessar a mutilação sigilosa do informe
[pela compreensão tatear a morte]
recebo escoamentos
o tempo vaza
animal devoto, sigo insone [a devoção que
um cego possa ter à noção de luz]
tudo gira
do poema invertebrado
que retorna e entorna
arma branca
[Um riso agora elegante esquece a página nos
séculos 19 e 20, e eis que precária nostalgia.]
POEMÁSCARA
Um grande inseto máscara crava as garras acima
da pálpebra do rosto de meu rosto
ao queixo na esquerda pétala de uma palavra murcha
sistemas críticos da linguagem com que me corto atraem
os seres coleópteros mudos tchecos
Quer fundir o par de olhos, franzo a testa dos sonhos
ele responde com a dedicação de acoplar suas ferragens
ao desplante da gastura de quando se é sitiado numa existência.
Sem respiro, o cobre verde incensa a sombra clara entre
o mínimo espaço.
Abre as duras asas em lâminas de hipnose arqueja voltaico
vai decolar com a guerra mas um sorriso queima-nos e
não sabemos de quem seja.
Sinto que a terceira pata lentamente percorre uma
letra calcinada nesta face areia, verme do nome.
Ainda que morra amanhã, sabe que dura mais que eu.
Por isso radiografa um arco-íris pardo me injeta o transe
sífilis do beijo plutônio radiação da infância ejaculada
Pisco a cor proximal
vejo através de seu diafragma a memória da semelhança decalcada
na quitina – o estranhamento de esquecer
Todo concentrado em luscos de dor azul e cobre
supõe outras enzimas negros alimentos pelos sertões do corpo e
intercepta uma obra
A púrpura de um não.
Um não muscular que leva o corpo para a margem
Nossa morfologia se psicografa
um metal soa no longo sono de meio segundo
maresia olhos compostos. O inseto treme
já é sudário.
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Alexander Nassau, mineiro que está capixaba há 13 anos.
Publicou o livro de poemas O tempo da curva, pelo selo Aves de Água.
Prepara outro livro: Coreografia de um barco extinto.
Professor de Literatura e Língua portuguesa na rede federal (Ifes).
Doutorando em Literatura Portuguesa na Ufes (com estudos da poesia de FiamaHasse Pais Brandão).
alexnassau@gmail.com