LONJURAS
São as lonjuras
Que me desanimam
Que me detêm:
Mais
As da linha do tempo
Que as da linha
Do trem
SÚMULA
Eu:
Bentinho
Vida:
Capitulina
Um
Escobar
Em cada esquina
TARJA PRETA
Qual o quê
Alprazolan:
Deixo
Um resto
Do desespero
Para amanhã
PRESTIDIGITAÇÃO
Quero
Régia cortina
De fatos
A separar-me
Da ilusão:
Lá na frente
Fique ela
Com seus truques
Simulando o levitar
Da plateia
E da trupe
Cá atrás
Eu
Com os pés no chão
NO MUNDO DA LUA
Atabalhoada
Fiquei
Quando a nave
Alunissou
Algo assim
Como se eu fosse
Um quarto astronauta
Cumprida a missão
Os três voltaram
Eu não
CONCRETUDE
Uma tristeza
Tão densa
Que dá pra cortá-la
Com faca
Fazer fatias
Jogá-las
N'água corrente
[Quem sabe
Alimento a carpa
Valente
Que
Saltará cascatas
Até o topo de tudo
Transformando-se
Em dragão]
HIPOCONDRIA
Doença enjoada
A tal hipocondria
Nunca identifico
A causa
Se meu coração
Palpita:
Sopro aórtico
Ou a lua tão bonita?
HOMENS TRABALHANDO
De vez em quando
O teto desaba
Mas
Não
Completamente:
Ficam as vigas
Talvez
Por isso
Valha a pena
A vida
Existência:
Obra inacabada
Sempre a placa:
Aqui se trabalha
TRAPACEIRA
A vida
É useira e vezeira
Em propaganda
Enganosa:
Vende garapa
Entrega losna
ERRO
Pedi
Que fossem leves
Como
As da libélula
A vida
Não entendeu:
Esculpiu-me
As asas
Em pedra
RUÍNA
Agora
Que a dúvida
Arruinou-me
A velha catedral
Cá estou
Recolhendo cacos:
Ver se refaço
Azulejos
Anjos
Santos
E as Tábuas da Lei
EXPLICAÇÃO
Não é
Que eu esteja
Triste:
É só uma lágrima
Teimosa
Que insiste
Em cair
Fora do script
MOLDURA
Filetar
Os contornos
Da vida
Passar
Base líquida
Dourar :
Resolverá?
UMA FRIA
Triste
A minha sina:
Detetive amador
Desnorteado
E o cadáver
Boiando na piscina
TEMPO DE IR
Vez em quando
É tempo:
Desvestir andrajo
Monocrômico
[Via de regra
Sépia]
Envergar
Traje multicolorido
Largar tudo
Partir pra longe
[Ok
Baby:
Deixo-lhe
Arco-íris
À guisa de ponte]
HOSPEDAGEM
Quero felicidade
Que seja mensalista
E não
Hóspede por um dia:
Que chegue
Trazendo mala
Sacola
Frasqueira
Que se instale
Da melhor maneira
Que abra
Sempre que quiser
A geladeira
Que ligue o rádio
De cima da cristaleira
Que ande de chinelo
E bermuda
Pela casa
Que se esqueça
Que tem
Bom par de asas
Que pregue pregos
Na parede
Que dependure rede
Que nela se embale
Que não se vá
Sem dar-me aviso
Prévio
UNS AZUIS
Uns azuis tão azuis:
Cobalto
Cerúleo
Ultramar
[Até se ouvia
O marulho]
Rolinhas
Se não revoavam
Pousavam aos pares:
Um só arrulho
O colorido da vida
Cantava alegre barulho
Um dia
Espargiram-se
O cinza e o silêncio
Por sobre tudo
Teceram-se as teias
Que pendem
Do teto do mundo
SONHOS
Todos os pequenos
Sonhos
Sonhos possíveis
Sentados
Displicentemente
A meu lado
No gasto gramado
Já
Os irrealizáveis
Empoleirados
Com impáfia
No galho mais alto
Do pau'alho
[Conviria tentar
Trocá-los?
Quem sabe
Forçando intimidade...]
* * *
Zélia Guardiano nasceu em Ourinhos-SP. Professora, trabalhou por mais de trinta anos em Educação. Hoje dedica-se quase que exclusivamente à produção literária, fazendo também algumas incursões pelas artes plásticas. Escreve conto, crônica e poesia. Tem trabalhos publicados em antologias , jornais e informativos culturais. Nos últimos anos vem participando do Livro da Tribo. É autora dos seguintes livros: POESIA COMBINA COM TUDO (2011), TREM-BALA (2012), AS HORAS (2013), CADERNO DE DESAPONTAMENTOS (2014), NANQUIM (20015). Ainda este ano lançará AGOSTO ERA MÊS AZIAGO.