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amor para 48022
saudade é mais do que a palavra "amor" para 48022,
solidão é mais do que camisinha vencida na carteira
ou brindar o copo no gargalo da garrafa,
tem dia que é quase doença.
gruda no tendão de aquiles, mastiga o rim,
dá uma pontada no coração,
dor nas tripas e por aí vai.
o corpo fica uma porcaria.
e não é porque pisei descalço no chão gelado,
deixei a janela aberta na madrugada
ou o peito ficou exposto ao vento,
basta achar uma foto tua perdida no hd externo,
ou ver tua confirmação de presença naquela festa bacana,
de pessoas com sorrisos amarelos e gin & tônica na mão.
você tem tomado alguns medicamentos
melhores do que os meus.
os teus demônios que se parecem comigo dormem.
preciso voltar a ler os poetas que me receitam bem o esquecimento.
culpa
culpa daquele teu olhar morteiro,
das pernas de grila gorda
& da vontade de esquentar teus pés ásperos nos meus,
da constante troca de calcinhas brancas
& elas serem abandonadas atrás da porta do banheiro.
culpa daqueles teus banhos demorados,
da mania de escutar somente rádio a.m
& ir até a padaria sem sutiã;
buscar um maço & um litro de leite,
voltar dizendo: o padeiro ficou me olhando novamente.
culpa daquele teu rabo de cavalo sugestivo
& às vezes algumas tranças marginais,
culpa da boca carnuda que lambia a colher
& os dentes amarelos que sorriam enquanto você dizia:
"eu ainda não sei se te amo"
é por tudo isto que eu não durmo mais,
que a saudade faz amor com os móveis da minha casa.
volta, baby, não aguento mais assistir sozinho
a venda de tapete persa,
durante as madrugadas.
sino
o sino badala às 18
na torre mais pontiaguda da paróquia
é hora do padre rezar pelos pecadores,
hora do trem passar descompromissado
alavancando o mundo no seu grito
o datena geme raiva
os cães esperam seus donos
o maço de cigarros acaba
a sol desbanda
e a escuridão nos abraça como uma mãe
djavan nunca esteve tão certo
"o pensamento lá em você"
saudades de ti, filha da puta.
na torre mais pontiaguda da paróquia
é hora do padre rezar pelos pecadores,
hora do trem passar descompromissado
alavancando o mundo no seu grito
o datena geme raiva
os cães esperam seus donos
o maço de cigarros acaba
a sol desbanda
e a escuridão nos abraça como uma mãe
djavan nunca esteve tão certo
"o pensamento lá em você"
saudades de ti, filha da puta.
madruga
desliguei a tv,
eram quatro da manhã,
escutei o telefone da vizinha tocar.
ela atendeu
e disse algo que pude ouvir do outro lado da parede:
"não! já te disse que você não dorme mais aqui, bruno. para o inferno você, sua maldita mulher, este bebê e a gata!".
escuto as chineladas no chão,
ela volta para a cama que range na deitada.
o bruno tem um coração enorme.
minutos depois a vizinha chora copiosamente no merda do travesseiro.
o coração dela está quebrado,
pisoteado pelo leão da solidão chamado madrugada.
antes de dormir eu me ajoelho e rezo,
peço a deus para que proteja minha alma
de todo mal que assola a humanidade na escuridão.
bruno deveria fazer o mesmo,
a vizinha deveria fazer o mesmo.
deus não existe,
mas nada melhor do que você fingir
que alguém te abraça durante a madrugada,
nada mais solitário do que um telefone que toca
e uma fronha com lágrimas.
Ilustrações: Hossein Zaire
Felipe Pauluké um curitibano residente em Londrina, jogou na loteria da vida e, numa quina fodida, tirou o menor prêmio, a literatura. Tentou se enforcar lançando seu primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso(2011). Depois vieram algumas contas à pagar e saiu Hit The Road, Jack (2012). Em 2015, foi detido nas redondezas da ala mais perigosa da cidade portando Town. De frente com os homens da lei, ele negou, no entanto, foi provado que se tratava de mais um romance. Pauluk coleciona passagens por poesia-breve, fragmentos e roteiros de clipe. em 2016 a vida não foi diferente, ainda dentro do submundo da literatura cumpriu pena pelo lançamento do comida di butequim (2016), um pocket livro de bolso, considerado uma arma branca de lirismo. Está aí o elemento.