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8 poemas de Seirabeira

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Boca cheia, meia-boca

Não dei pra ele no primeiro encontro.
Já tinha me dado por inteiro antes;
em todos os poemas que nos comeram 
com a boca empanturrada de fome.




Por inteiro,
seu corpo.
Na contrapartida:
entremeios, um pouco de nervo,
até osso. 
Receio no porta-retrato
a cara metade
do seu não-rosto.
Por ora
o trato é fino, farto,
um fiapo no fictício 
e já fricciona o gozo.
Depois hora da troca, 
de desligar a partida
e o sentir
caído no poço.




À distância

Mil quilômetros
e nenhuma métrica.
A Via Láctea
no verso livre
já trafega.



Sou tua
de papel amassado
e declarações de rimas.
És meu 
sem testemunha outra,
a não ser o cheiro da tua roupa
ter ido às raias e às núpcias
com minha poesia.



Hoje sonhei com o homem do silêncio.
Ele tem os cabelos e o bigode do Leminski.
É doutor em Artes e conhece o marido de minha tia.
Dei uma volta ao mundo e acordei três vezes de madrugada
para encontrar seu rosto.
Espero que não haja tártaro nos dentes e que sua idade não conte mais de 72. Tampouco 23. Detesto os fedelhos, 
os pouco maturados
com decantação marcada para a próxima década.
Hoje sonhei com o homem do silêncio, mas ontem dei-lhe meus peitos
no tráfego da 18h. Ele tem uma língua de gato.
Uma língua ávida, um vulto que imagino na vulva e em outras vias.
Eu o senti na porta de entrada: a que se abre pra vazar os rios e os mares,
os dentes vorazes, os hematomas- souvenir
mais duradouros que os prazos de uma nova vontade.
Homem do silêncio, fala-me.




É sintoma de hospício
trazer um maço do porvir
para vir
antes mesmo de ter vindo.
É estômago perdido
a boca no copo gástrico
atrás do tempo-taça
ser apenas
surpresa que estilhaça
borda caco de vidro.
É sentinela em coisa escondida
a fogueira alta 
sobre a carne de fumaça futurista
dessa casa-estufa de todos os vermes
nos furacões com epicentro na barriga.
É a hora larga, mas à fórceps encolhida
nos olhos inchados de venda:
essa vista-esquistossomose
do olho que pouco avista.




Ao Pé da Letra

Ao pé da letra,
como faço
para cochichar
em seu coração
batido de plural,
ambivalente, ora canhoto,
ora destro,
de sentido misto, frio depois quente,
quiçá mais outra estação
onde o caminho estreito
pode ser horizonte largo
mar hoje; amanhã sertão?




Tenho pena fora da sentença
quanto a seu tipo poético:
palavra-estelionato
no afã pérfido do golpe,
uma rasteira distraída
e engole-me o calcanhar 
na verve.
Tudo em nome da lírica.
Eu afio na pedra-sabão
a lâmina 
pra cortar a jugular
da larva girina
desse ovo de margarida
que é seu poema-verme.


* * * 



Poeta brasiliense, balzaca quase loba, Seirabeira compõe desde os 13 anos. Começou a publicar nas redes sociais em 2014 (Instagram e Facebook). Escreve desde haicais a textos pornográficos. Idealizadora do sarau “Poelivre-se”, tem textos publicados na Revista Bacanal (2015-ed Nautilus) e na coletânea erótica Poesia Nua (2016). Possui poemas também em língua inglesa.



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