Há três dias sem dormir. Deviam achar que os olhos fatigados indicavam overdose de alguma dose:sexo e/ou drogas e/ou rock and roll. Deixou de dormir e nem quis saber. Os olhos estavam lá marcando algum terreno.O espaço entre quem lera demais; ouvira de menos. Desgastou suas pupilas, íris, globo ocular, córnea!O labirinto estava intacto. Nem sequer sinal de um zumbido qualquer.Orelha vermelha só mesmo da irritação.Os olhos? Nem tocou. Deve ter doído. Irritado. Manteve-se, porém, alerta.
Excessos da cidade ou dessa idade.
Um relógio que não pára. Uma notícia que chega de repente.
Uma hora que você nem imagina como começou.Um celular que não deixa de tocar.Nunca.Nem mesmo quando o jogou do ônibus fora; pela janela.Mandaram entregar em casa. Um conhecido viu. Sempre há um conhecido.Pediu obrigado, deu recompensa. Desejou ter sido roubado.Excessos dessa cidade.
Ruídos. Não. Não o barulho que lá e acolá não cessa. O ruído do excesso. De som, de voz, de tudo e mais nada.
E disso fizeram um tormento.
Deixou de dormir. Há três dias.Passou a madrugada em claro.Volta e meia passava pela sala.Volta e meia se trancafiava no quarto.
Volta e meia. E alguém dizendo que se deve dormir.Porque é preciso e faz bem.Toma lexotan, meu filho.Chá de camomila. Diazepan.Valerianas. Oh, as valerianas. Florais de Bach e Bach. Leite quente…
Pensou em disfarces, é verdade:óculos escuros, colírios. Não se conteve e não comprou coisa alguma. Passada a crise; voltara outra.Três dias, seis dias. Caminhava retilíneo, teso. Em direção a: 1) trabalho; 2)dinheiro; 3)casa. Nem a médico; nem a benzedeiro. Absteve-se da racionalidade. “Deixa que uma dia volta”. Acordou sem saber : “mas ela quem?”
Jogo americano
À medida do meu pensamento me vem: um presente rejeitado no dia de natal. Um beijo de despedida que me foi negado. Uma hora marcada no médico perdida porque quis te esperar. Um dia de folga sem sossego. Um sossego num dia de folga. Um arranhão, dois, três. Uma viagem de caminhão. Uma queda no asfalto. O Beijo no Asfalto. Uma fase comunista; outra anarquista. Sangue em excesso em data comemorativa. A minha mão dada à cigana. O meu corpo colado na parede. Meu vigésimo vestido preto. Minha mão no cabelo. Minha nuca para você. Minha sensualidade arrancada. O ensaio de teatro. O toque de recolher. Pratos quebrados. Aquela volta de carro. O sorriso da minha felicidade. Os livros jogados pela janela. As palavras que até hoje passeiam pelos meus neurotransmissores. Rímel, curvex e uísque.
O primeiro cigarro à espera do café. O primeiro café à espera da sessão. A primeira sessão à espera da catarse. A primeira catarse à espera da emoção. Da minha emoção. Da minha solidão no mundo. Da minha necessidade de se fazer entender que esse excesso de comunicação é ruído e já não podemos falar nem nada.
Porque eu não poderia simplesmente jogar fora esse bônus colado na memória e tentar fazer sentido sem a minha linguagem que se diz hermética. Eu simplesmente não poderia jogá-lo a menos que me jogasse também. E eu não tenho talento algum para jogos.
A realidade aumentada sou eu. Cada vez que miro meu autopanopticom para mim mesma descubro que estou desintegrada, atomizada, camuflada tentando me alcançar em algum ponto perdido dessa cidade. Eu rio o tempo todo. Canto na rua sozinha. "HE WALKS AWAY THE SUN GOES BY. E canto errado. Caio, tropeço, quebro coisas o tempo todo. É como se o corpo não me bastasse. Eu sempre me extrapolo. Desse jeito é fácil me classificar como excêntrica, esquisita. Minha vô benê perguntou: carolina, tu tá fumando drogas? Nunca fumei maconha. Pra não dizer que não fumei, fumei uma vez e dancei com um poste. Mas belinha, a vizinha de 3 anos, me viu, deu bom dia e disse: " carol, tu já fumou tua maconha hoje"?. Ontem um amigo ficou intrigado porque nunca cheirei lança. "Nem loló? Nem um doce? Nem pó?". Nãaaao. Eu tomo uns clona quando convêm. E fico pensando em mim tomando LSD e causando um tsunami pelas bandas da zona norte. Ia ser babado e confusão, gritaria e profecia. Não tenho estrutura para abandonar meu superego. Sim, Bebi por um tempo relativo. Eu gostava. Foi na época que geral era moralista e me passava textão e os homens com os quais me relacionava não estavam interessados em acolher os fracos e oprimidos como hoje; muito menos não me julgar e me definir. "TÔ DE OLHO BOY JUSTICEIRO DA CONVERGÊNCIA. Bebi até os 30. De 2006 para cá, só 4 vezes. Numa delas quase fraturo a costela após tentar passar a 4 fase da dança da cordinha. Eu sempre fui assim. Desordenada, desgovernada, descompensada. Às vezes eu saio do ar. Parece que entro em outra dimensão. Porém, metade de mim é razão, a outra metade é iluminismo. Detesto perder o sentido da realidade mesmo sabendo que vivo muitas vezes numa outra paralela. Vai ser fácil me ver chorar, rir demais, rir de mim, achar engraçado todo o caos no qual me perco, depois me acho. E fazer isso de forma natural. Se eu conseguisse capturar esses instantâneos meus e juntasse tudo e congelasse esses instantes seria um dia de Ulysses numa Dublin cheia de unicórnios e semiótica. Não tem vida que não valha um livro porque toda biografia é uma narrativa encantada. Você escolhe como quer contar a história. O leitor decide se acredita nela permanecendo no final. A gente sempre seleciona uma perspectiva do real que garanta verossimilhança ao enredo que criamos. O problema é capturar pokemons que não existem. Eu existo nessa realidade pornômagiczoom. É tudo real. Mas rir no final não quer dizer que não dói.
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Carol Leão é jornalista e aprendiz de feiticeira, mas assina como Linda Blair Socialista, a que saiu das telas depois de exorcizada e entrou para o comunismo. Publica aqui: https://medium.com/@carolinaleo