craquelada
tenho habitado muitos riscos.
o baiacu inchado na garganta insiste em
me competir o ar. como trepar em montevidéu
e acordar no jaguaré: genealogia do deslocamento -
me abstenho de maiores explicações.
li piva como quem toma chá de camomila com canela
assim descobri que o erro é um bacanal lotado de ex
marido. não dá pra ler piva antes do dejejum de uma
segunda-feira do mesmo jeito que não dá pra esperar
o baiacu sair da garganta por vontade divina. tenho
ficado muito quieta &
no silêncio a evidência me expõe:
a memória das sereias do tejo, essa eu invejo; das
prostitutas da Mongólia tenho os mesmos dentes
vermelhos. não sei onde guardei as fotos da
ultima ida ao mercadão de são paulo. onde deixei
o molho de chave, onde foi parar aquele gozo na páscoa de 98,
o jornal pra embalar os cacos de vidro, não sei onde. o
baiacu espinha minha glote, me impede a distância.
mesmo assim eu e o que restou das minhas
lembranças tombadas – nebulosas e uruguaias
como você –
no ringue,
lutando contra o peixe, eu.
carta aberta aos homens de passagem
você com certeza vai
você com certeza vai lembrar de mim
quando topar com a salamandra azul
no orquidário vai com certeza
você vai com certeza
lembrar de mim.
do anel que foi parar no ralo
cheio de cabelo e porra,
você vai lembrar
dos filhos que não fez em mim
eu te disse
era sério quando
o elevador quebrou no oitavo andar eu te disse
aquele era o nosso momento de glória
eu te disse
pra botar no formol e você não entendeu
na hora mas acho que agora olhando a
salamandra azul vai sacar
eu chego sabendo que vou embora.
você vai lembrar
a gente
com vinte anos sem vergonha na cara
nem pra comprar um cortador de unha
imediatista
eu arrancava os excessos com os dentes.
tinha dez reais pra catuaba e um baseado no bolso
eu arrancava os excessos com os dentes.
você vai lembrar disso
de hoje pra trinta anos isso vai ser uma lenda
você vai lembrar de mim
com certeza vai
encostar a testa no box no segundo banho
do dia
enquanto tua mulher tira os
pentelhos da virilha e lê sobre o golpe na turquia
e eu vou estar
em qualquer lugar longe da casa
que nunca tivemos.
possuir o impossível é afundar uma pedra na cara sorrindo
a cona exposta sob o sol das sete e meia.
acusam-me pederasta, acusam-me mulher da
vida, acusam-me comunista. acuso-me
trilho sem sequer uma partida.
não levo em conta os desastres ferroviários do ultimo ano - estive
ocupada, muito ocupada. catava conchas distorcidas, nenhuma
concha intacta numa praia deserta do litoral norte.
até os suicidas estão de greve nessa manhã de domingo: não
avançam/ por isso não/ me tocam a coragem esponjosa.
retaliada mas ainda assim a cona exposta sob o sol das sete e meia
não me comove o sexo inflado dos homens de boa fé, não me ilustram
o corpo./ os russos / vestem nike nos pés / tiram férias em praga /
bebem corote e dizem o
séc. xxi não é pra todos.
estive com hilda hilst me lambendo a virilha, estive sim
cansada e abortada dos filhos que
não vingaram. com a cona translucida, cinética, à espera.
Natasha Felix tem 19 anos. Nascida em Santos, se naturalizando em São Paulo há dois anos. Produziu o zine “Anemonímia” em 2016. Bota seus poemas & outros testículos no facebook e no blog anemoniavulcanica.tumblr.com.