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Ilustração: Dennis |
"A seus olhos, sua obra nunca está feita, está sempre em andamento, de modo que ninguém pode valer-se dela contra o mundo."
(Maurice Merleau-Ponty, Signos)
Suas pupilas estão dilatadas. Deve ser essa escuridão; ela nos acompanha. Não, é só impressão. Às vezes, vejo pequenas luzes. É a pressão dos olhos; você não deve estar bem. Me avisaram que poderia acontecer. Pensei que demorasse mais. Por que será que você não está com os sintomas? Quando a gente sai eu nunca abro os olhos... fico com eles bem fechados; vejo tudo através dessa pele vermelha – só abro em casa; só quando deito na cama pra dormir. É, acho que essa experiência não tem dado bons resultados. Talvez. Vejo pequenas bolhas azuis, agora. Interessante. Eu já te falei que a claridade das velas aquece meus olhos?...é estranho. Interessante. Durmo à luz de velas e aí, de manhã, já posso abri-los; sinto que nasci. O olho se acostuma devagar; não abuse. Não sei, eu ando estranha; ando vendo coisas... faz seis meses que não menstruo. E? Faz seis meses que vivemos nessa bolha. Quem? Nós. Você está sozinha aqui. Pare com isso. Eu nunca estive aqui; você é que me vê nas sombras de seus olhos cegos.
Homero Gomes nasceu em Curitiba, em 1978. Publicou Sísifo Desatento (contos) – finalista do Prêmio Sesc de Literatura, edição 2007 – em 2014 e Solidão de Caronte (poesia) – Prêmio Poetizar o Mundo – em 2013. Foi colaborador de Rascunho, Cronópios, Vaia, Cult, Germina Literatura, Palpitar, Ficções, Escritoras Suicidas, Samizdat e Mallarmargens. Foi colunista nos portais Página Cultural – com ensaios, críticas e crônicas –, Mundo Mundano e também foi um dos correspondentes do Musa Rara: literatura e adjacências.facebook.com/sisifodesatento.