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Gaveta de Poeta - Bárbara Lia

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Assombra o calcinado coração de Shelley imune ao fogo
Entristece a morte da tartaruga que atingiu Ésquilo
Ouço vozes uníssonas a amaldiçoar a echarpe de Isadora
A morte dos ícones é sagração - dia após dia - vida afora
E o choro dos anjos arrependidos por não chegar a tempo
Meu neto diz que, após a morte, caímos na Terra outra vez
Antes ficamos a brincar no alto, entre as estrelas
Esta hipótese amainou seu medo das perdas, incluso a minha
Vamos cair juntos na terra, vovó...
Vamos estudar juntos na mesma escola
Tanto amor cessa minha voz e este tipo de amor é tudo
Existe outro amor
Não conheci ainda a morte, mas conheci o – outro amor -
Ele é pedra, ele é bicho, echarpe que enforca
E ele mata, ele mata, ele mata...





medo dessa tua dor tapa de luva
medo de não estar no patamar do salto
na banheira fria
na gilete ácida
no cálix de Sócrates
chegar atrasada para tirar-te
do trem clandestino - Fim
medo dos pequenos ácidos
das pedras brancas
da faca
do salto no vazio
medo de que o amor não vença

esta dor que rasga
tua alma de primavera






mãe de Mia Couto rezava 
para ele não se tornar poeta.
Nada altera a gênese desta raça,
nem mesmo a reza.





há uma rosa em alguma aldeia
que sabe deste amor em mim
há uma rosa extasiada, alheia
que captou - no ar - a vibração
batuque do alucinado coração
há uma rosa anônima a valsar
ao som da agonia silenciada
e este fio que ata – nosotros –
faz com que eu saiba e sinta
que sabes o que a rosa sabe





Sopro do túrgido verão
E o pesado – Rattapallax – do trovão
Wallace Stevens



Melhor que ele nunca saiba
(ela pensou)
O Amor concordou com ela
(em algum lugar)
Tão alto a estrondar no infinito anil
Qual o poeta Wallace Stevens
Pensou o som do trovão:
Rattapallax



medo de ressuscitar o desejo
de morder o vidro do teu coração
e passar outro maldito inverno
de sangue pisado na alma
e dor e dor e dor





Fotografias: Ilse Bing (1899 – 1998) fotógrafa e poeta alemã.




 
Bárbara Lia (Assai, 1955) é Poeta e Escritora. Publicou nove livros (poesia, romance e contos). Destaque em vários Prêmios Literários, entre eles: SESC, UFES, Helena Kolody e Newton Sampaio. Integra várias Antologias, entre elas: O que é poesia? (Confraria do Vento), O melhor da festa - 3 (Festipoa), Amar, verbo atemporal (Rocco), Arqueologia da Palavra _ Anatomia da Língua (Literatas - Maputo) e Fantasma Civil (Bienal Internacional de Curitiba). Vive em Curitiba.

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