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Quatro Poemas de "Perfumes que Ficam", de Caio Cardoso Tardelli

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O livro Perfumes que Ficam foi publicado pela Editora Kazuá em 2015. Está à venda pelo site da editora e pela Livraria Cultura.

E ASSIM DISSE O CORAÇÃO:


“Sonhei com as grandes alamedas
Por onde choram os meus semelhantes,
E onde brotam flores radiantes,
Como se dos sóis furtasse as labaredas.

Sonhei com as duras guerras tredas
Pelas quais fui sentindo incessantes
Pancadas sobre as esperanças dantes,
Sobre as finais esperanças ledas.

E é possível que eu tenha sonhado
Com o Destino pelos céus lançado,
Mas o neguei... e eu próprio o esqueci...

E sonhei com o Amor... fiquei absorto...
E mais do que os outros, sonhei neste porto...

Mas, desde então, nunca mais adormeci...”

-

APARIÇÕES

… E foi em certa noite desolada,
Quando a paz vai ulular outra estrada,
Que mais do que o teu vulto observei...
Não era o mundo, as regiões do ouro,
Que me pulsavam em sorvedouro...
Talvez... Talvez, vi o que jamais saberei.

Como em uma amorosa ilusão,
Senti súcubo pegando-me pela mão...
E tudo era dor, vertiginosamente
Rodopiando em torno a mim mesmo...
A felicidade passava a esmo,
Sombra de minha sombra, cegamente.

E os livros, dispersos na estante,
Pulsavam, como lúbrica bacante,
Os seus próprios abismos no mundo...
E além, marchando atrás da janela,
A vagarosa, incessante caravela
Do meu derradeiro segundo...

A lua cantava canções funéreas
Para o seu poente... e as etéreas,
As estrelas, os portais do infinito,
Somente essas brilhavam, sonhando
Sob o longo lamento brando
Do mais remoto sonho desdito.

E o sol... o sol na claridade inferna
Queimou-me o olhar nessa noite eterna...
Desta terra o primeiro verso
Rebentou em meus perturbados ouvidos.
Aguçava-me todos os sentidos
A harmonia inicial do universo.

E tudo, como em um pesadelo,
Dormiu sob o auroral selo,
Como a mais serena noite comum...
Mas, fantasma de mim mesmo, sei, trago
Esse eterno lamentar aziago
Da universal transfiguração ao Um!

-

Pelos lábios dos anjos escorrem céus:
A Revelação em um ciclo profundo...
Pelos lábios dos anjos, os sonhos dos céus
Luzem como os novos sonhos do mundo.
Ah! Desabrocham, pelos lábios dos anjos,
As palavras nunca ditas...
E quantas saudades, em sutis arranjos,
Clamarão, divinamente, aos lábios dos anjos,
Por essas palavras nunca ditas?

-

PERSCRUTAÇÃO

Quanto mais em meu ser adentro,
Com ávido afã, instinto de noite,
Mais a descrença nele concentro
E às vãs tormentas dou acoite...

As florestas primitivas desbravo
À luz da tarde que morre encantada...
E eu me adejo, em sonho flavo,
E não me encontro... não vejo nada!



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