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ANTOLOGIA "EMERGENTE": NOVOS POETAS LUSÓFONOS + 12 POEMAS

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JOVENS POETAS PREMIADOS

EM CONCURSO LITERÁRIO LUSÓFONO


Foram anunciados recentemente os vencedores do concurso para a antologia Emergente – Novos Poetas Lusófonos, uma iniciativa de promoção à publicação de novos autores de poesia lusófona, idealizada pelo escritor Samuel Pimenta e organizada em parceria com a editora Livros de Ontem.

“Nesta primeira edição do concurso, tivemos mais de 100 participações, oriundas de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique e Cabo Verde”, explica Samuel Pimenta, presidente de júri. “Para uma primeira edição, o balanço de participações é muito bom, uma vez que, nos dois meses de convocatória, contámos com o apoio de diversas instituições lusófonas, que nos ajudaram com a divulgação do concurso. Na segunda edição, queremos que o nível de adesão seja superior. Afinal, somos mais de 244 milhões a falar português e as oportunidades de publicação para novos autores não são muito abundantes. A Emergente procura preencher essa lacuna”, acrescenta.

Da selecção do júri, saíram vencedores 12 jovens poetas: Alexandre Brea Rodríguez, da Galiza; Ana Cunha, Ariana Rupp, David Erlich, Diogo Godinho, Eduarda Barata, Iago Vendrell, João Paulo Coelho e Margarida Gordon, de Portugal; Rodrigo Domit e Vanessa C. Rodrigues, do Brasil; e Kussu Kappo, de Angola. Além de Samuel Pimenta, constituíram o júri, nesta edição, João Batista, editor da Livros de Ontem, e Ana Paula Tavares, escritora angolana que, nos últimos anos, tem integrado, também, o júri que atribui o Prémio José Saramago.

“Esperamos que, para os 12 vencedores, esta oportunidade seja uma alavanca para se afirmarem no meio literário lusófono. Procurámos que as nossas escolhas reflectissem a diversidade com que se escreve poesia em português. E as novas gerações estão a escrever muito bem”, diz João Batista, editor da Livros de Ontem.

A publicação da antologia Emergente – Novos Poetas Lusófonos está agendada para Fevereiro de 2016, onde se fará a sessão pública de apresentação dos novos poetas.

Até lá, pode apoiar ou saber mais sobre o projecto aqui.


*    *    *


SELETA DA ANTOLOGIA



Compostela arde

  Hoje o céu mira-me com olhos cinzentos
e as ruas vazias parecem-se irremediavelmente a mim.

  Caminho como com um silêncio flutuando ao meu redor.
Os pés, encharcados, pisam um novo outono,
o mesmo de sempre, mas esta vez sem ti.

  Sento-me num banco úmido
a ver cair o tempo com as folhas.
Só estou jogando a ver quem me sepulta primeiro.

  Compostela arde, eterna, ao longe
e eu sinto a pedra arder nos meus olhos.
Passam uns meninos, sorrindo, ao meu lado
mas nenhum deles repara em mim.

  Sinto-me, então, como uma estátua
mais antiga que nada no mundo.
O musgo medra, verde, nas bochechas,
o firmamento acaba nos meus tristes olhos pétreos.

  Nuvens de pessoas habitam a cidade.
As chaminés tiritam nuas, vomitando pombas
e só eu reparo no seu frio pálido.

  Anoitece já no meu mundo.
O azul tatua-se de matizes rosados,
mil línguas lambendo o passado
com ar de estar a recordar.

  E eu continuo só
conversando com a minha sombra ereta
no nosso perfeito idioma.

Alexandre Brea Rodríguez (Galiza)

Nasceu em Santiago de Compostela (Galiza), em 1994. Filho de escritores, a literatura foi sempre uma fonte de expressão indispensável. Usa a língua do seu povo, o galego ou português da Galiza, um caminho que o une a outras culturas do mundo.



Mortos

Podesdizer-mequemorreste.
Osmortosentendem-sebem.
-PauloTavares

Passadastantasmanhãs
comomesmocomeço
eomesmofim
convencioneiamimmesma
umanovamaneiradeviver,
umviverqueémorreraospoucos.

Podia-mesentirmaisviva
senãofossepelodesgaste
doconstantedesassossego
deperderanoçãodasmúsicas
quecantavamosemtempos,
quandoavoznossaíavivamente.

Agora,somoscomoaspalavras
quenosmorremnagarganta,
comooarqueperdemosaospoucos
emcadabatimentoforçado,
comoseviverfosseumaobrigação;
etalvezatéoseja.

Desdequemearrancasteosmapas,
nãonadaqueeuveja.

Ana Cunha (Portugal)

Nasceu a 6 de Novembro de 1993 em Lisboa, onde residiu a sua vida toda, e com ela nasceu aí o gosto pela escrita e leitura. Graduou-se na Faculdade de Letras – Universidade de Lisboa em Estudos Portugueses em 2014.



Caidinha

As sobrancelhas cortantes, ostensivamente exactas, exaltando o desafio,
Riscos cinzelados na rocha, sinais de perigo a não transpor.
As olheiras escarpadas, assombrosas no seu jeito escorregadio.
Os olhos turvos, aquáticos, lá no fundo em baixo, por onde espreita o rumor.
Cintilam, no abismo, fenómenos incríveis, jogos de luzes que nunca ninguém viu,
Escamas vultos e espelhos, encadeamentos dum poder perturbador.
Serão a carpa e o sal, beijando-se em segredo nos tesouros do estuário?
Turbilhonando, o peso da aventura arrasta tontura e causa arrepio.
 
Como explicar esta vertigem que senti,
E porque é quase involuntário,
Precipitar-me, p'ra dentro de ti?  

Ariana Rupp (Portugal)

O percurso – ou percursos – de Ariana Rupp tem sido marcado pelo mutável e pelo multicultural. Diante duma actividade quase caótica ligada à engenharia física, ao design de produto e à biomimética, é a liberdade de deambular pelas várias áreas de interesse que inspira Ariana para a poesia diletante.



Irrecuperável

Vou venho
conduzo caminho pago um bilhete.
Enquanto atrasado conto os minutos
e penso no que dizer a quem certamente me esperará
olho um qualquer espelho,
de uma casa loja carro ou ecrã,
e vejo outro,
cujos passos não são os meus
cujos gestos desconheço
cujo tempo se silencia
numa serenidade que foge e foge
nos escombros de alguém que fui.

David Erlich (Portugal)

Mestre em Filosofia e em Ensino de Filosofia pela FCSH-UNL, David Erlich nasceu em Lisboa em 1989 e vive numa das suas águas-furtadas. Passa os dias entre diversos projetos educativos a nível cívico e profissional, procurando no tumulto dos dias tempo para alguns versos. 



No virar das eras caem impérios

onda vai onda não vem e lança chamas
remoinhos no mar baixo, fogos de Santelmo
e tu no barco, Robinson Crusoe  mil aventuras,
voltas em oitenta dias, voltas ao mundo em noventa dias,
voltas e não regressas não preciso que estaciones a tua hoste
marítima à minha porta, desci as escadas e não te quero ver
sei que não te vou ver, e o silêncio das ondas, dos crustáceos,
dos plânctones dos lugares à sombra no negro escuro, perturbados
e tu não vens sei que não vais vir, passam tsunamis
nas praias ruem os sóis, piratas a estibordo
à vista à vista tripulação
meu capitão meu capitão general
já vejo terras de Espanha
invejas de Portugal
e de repente impérios caem
nos maremotos, nos abismos de falsas verdades, quaisquer
coisas de jangadas para salvar nações, e tu no barco
deixa-te estar, sossegada na poltrona, imagina bem vista a talha de pedra
rocha talhada, sobressaindo no meio do nada, no inóspito
à deriva gaivotas acenam-te fazem concorrência às evas migratórias
sul a norte norte a sul nas primaveras de dia todos os anjos são pardos
e escondem-se nas portelinhas dos templos, flechas cupidos que injectam amores
depois inflamam, são amores que ardem e não se veem
feridas que se sentem e que carbonizam
em pó e depois baú para serem cinzas despejadas ao mar
onde tu sossegada permaneces no barco.

Diogo Godinho (Portugal)

Dá aulas de Língua Portuguesa, em Lisboa. Organiza e dinamiza sessões de poesia e dá voz a projetos poético-musicais. Em 2014 foi publicado o seu romance Pedra na Luapremiado em Portugal num concurso para jovens escritores.       



Dia do Pai

Tenho saudades de te chamar. 
Virá a primeira primavera. 
E eu fumo cigarros para te encontrar nos meus dedos 
Fumo cigarros para entorpecer o teu nome 
E torná-lo mais claro. 
Virá a primeira primavera 
E pela primeira vez os pássaros parecem-me absurdos. 
Só as árvores apaziguam 
Trago nos bolsos papéis brancos
Porque já não há nada a dizer. 

Os poemas arderam contigo. 
Ficámos com o fumo. 

Eduarda Barata (Portugal)
Eduarda Gil Lopes Barata nasceu em Outubro de 1989, em Coimbra. Fez licenciatura e mestrado em Línguas, Literaturas e Culturas em inglês, alemão e castelhano na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e é membro do IEIIA – Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da mesma instituição. Trabalha na área editorial.  



Ricos, pobres e apáticos

Nesta humana batalha
de vida de sonho,
de sede de nada.

Nesta humana batalha
de vida de sede,
de sonho de nada.

Nesta humana batalha
de vida de nada,
de sonho de sede.

Nesta humana batalha
de vida, de sonho, de sede, de nada.

Iago Vendrell (Portugal)

Nasceu para as palavras e aos trinta anos acorda poeta lusitano, de cognome ‘italiano’ e apelido catalão. Formou-se em ciência, jornalismo, política e relações internacionais, com queda para a filosofia e para viver em universos irreais. Sente-se agora obrigado a aprisionar em papel letras que o despertam, o constroem, o inquietam, o destroem.



O teu sono alongado

Pássaros de sal erguem-se
das dunas ardentes

estou parado
a quilómetros da cidade que nos matou
escrevo sobre a paisagem rarefeita
como se fosses parte dela 
e não sei por onde começar
a destruí-la

pudesse envelhecer
tocando o teu rosto puro
e não teria tempo para lembrar
que morreste

apenas tu
estática   sangrando
o teu sono alongado fervendo
na minha envenenada vida.

João Paulo Coelho (Portugal)

João Paulo Coelho nasceu em Évora, Portugal, em 1987, cidade onde reside. Ao longo dos anos, já acumulou vários prémios a nível literário, nomeadamente o prémio de poesia no Concurso Literário Garcia de Resende Concurso Literário Maia 2008 e 2014, o 4º Prémio Literário Irene Lisboa (2011), e o III e IV III Concurso Poesia na Biblioteca, Condeixa-a-Nova (2013 e 2014, respectivamente).



Desquebras

Disse,
Que só o sonho queria alongar
Pra que nele as linhas não tivessem terminações
Pra que nele as minhas trilhas fossem inalteradas das chuvas.
Digo,
Que por motivos mil
Resta-me a última chama
Aborto as linhas mas,
Multiplico as mãos de massa.
Direi,
Que por uma chama restada
Iluminarei o baixo e o cimo do meu sonho.
Tenho mente e não,
Te minto que viverei para sempre,
Tu também,
Desde que acredites.

Kussu Kappo (Angola)

Kussu Kappo é jovem autor e poeta angolano que concilia os estudos e a escrita na congruência possível de cada espaço e tempo. Está presente em diversas antologias de poesia lusófona.



5.

sortido de sensações
tipo sugos variados,
tipo cada cor seu sabor.
o mesmo se passa com os corpos.
o meu desgosto é
de ser doce.

Margarida Gordon (Portugal)

Margarida Bak Gordon (Lisboa, 1994), vive em Lisboa, onde estuda política e filosofia. Também dança; para ela dançar não é coisa acrescentada mas sim posição no mundo. Nunca teve nenhum exercício de escrita publicado.



Sitiada

As primeiras folhas secas
crepitavam no fogo baixo

A fumaça, escura e densa
tomava forma de presságios

- o inverno encerrou a trégua -

E as portas tremulam
- reverberam irritadiças
pela iminente violência

Em breve marchará
- o exército do desespero
sobre as ruínas da consciência

Rodrigo Domit (Brasil)

Rodrigo Domit nasceu em Curitiba e vive atualmente em Jaraguá do Sul. É autor do livro Colcha de Retalhos, obra premiada pela União Brasileira dos Escritores, e editor do blog Concursos Literários.



Corpo outro

Este corpo é outro. Completamente novo.
Este corpo de agora já não te reconhece.
Já não sabe do teu cheiro. Este corpo
todo outro não tem mais fome do teu gosto.

Este corpo refeito, querido, este corpo
não é aquele corpo antigo. É outro
inteiro novo. Este corpo
é polido. É um corpo sem frisos.

Eu tenho agora um corpo novo
que nunca foi visto. O corpo
refeito é um corpo moço.
É um corpo sem vincos.

Este corpo em branco
é um corpo inteiro, limpo
é um corpo novo, curado. É um corpo
sem tatuagem. Sem cicatriz.

É um corpo inteiro, inteirinho novo
e é só meu este corpo agora.
Este corpo que não te reconhece. O corpo
é um corpo sem memória.

O que eu era está morto.

Vanessa C. Rodrigues (Brasil)

Vanessa C. Rodrigues, 1984. Publicou a novela Anunciação (editora Oito e Meio) o livro de poemas Noturno e cinza (Editora Medusa, 2014) e em revistas e suplementos literários do Brasil como a Arte e Letra: Estórias, Jornal RelevO e Jornal Rascunho. Integrou a antologia poética Fantasma Civil, parte da programação literária da XX Bienal Internacional de Curitiba, e foi selecionada para Três ensaios, publicação resultante da oficina de ensaísmo IMS/Flip de 2013.






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