Versões de Luís COSTA
O AFOGADO
Pergunto-me se aquele afogado
ali ao canto com o fato de riscas brancas
serei eu
ouvi a voz do meu pai distante
quebrei o relógio
e tirei
uma quantidade de pequenas rodas e molas
espalhei os bombons sobre a mesa
verdes amarelos vermelhos
eles fazem pequenos ruídos invisíveis
como os animais
de repente um gato vermelho enfureceu-se
deu um salto e rasgou os meus livros
eu estendi o meu coração sobre a mesa
cortei-o em dois com a faca do pão
a seguir pus flores na banheira
depois fui dormir
PEDRO
Que canibalismo de novo nesta primavera
as abelhas foram engolidas pelas flores
os falcões comeram as vísceras dos pássaros
a rosa ficou para trás completamente sozinha
e a violeta transformou-se num funeral
Eu não tenho mais flores para te oferecer
mas um dia hei-de ser o grande jardineiro
eu plantarei, podarei, regarei
e construirei a minha casa numa nuvem
e acenderei os meus sonhos com o sol
Hoje ainda sou um piloto
também culpado pela lama, pelos limões
pelas latas na água no meio do porto
eu enlouqueço as sereias, semeio o meu sangue
trago uns óculos de pedra e chamo-me Pedro.
INVERNO
Como estão bonitas as flores murchas
consumadamente murchas
e este louco corre pelas ruas
com um coração temeroso de andorinha
é Inverno e as andorinhas partiram
as ruas encheram-se de poças de água
no céu duas nuvens negras
olham-se raivosamente
amanhã a chuva também sairá à rua
desesperada
distribuindo os seus guardas - chuvas
as castanhas hão-de invejá-la
e cobrir- se - ão de pequenas rugas amarelas
e também os outros vendedores sairão à rua
aquele que vende camas antigas
aquele que vende peles quentes e agradáveis
aquele que vende salepo quente
e aquele que vende estojos de neve fria
para os corações pobres
Imagem de Cruzeiro Seixas