O Vômito da Besta e a esperança
Para os moradores de Mariana e de todas as cidades atingidas pela tragédia
o vômito da Besta
pelo mar engolido
como um aviso
do sopro da morte
também uma industria
também pelo tempo
devorada
tetranetos e tetranetas
abrem os dez mil arquivos
com três palavras
‘Morte, Horror e Lama ’
do rio, hoje oceano vivo
a palavra Doce
antes roubada
do nome da industria é descolada
no espaço onde
hoje a água celebra
cem metros acima
do nível
do que foi mágoa
corpos enterrados dissolvidos
novas espécies de peixes
parentes distantes daqueles que
afogados
lançaram gritos
e no centro do
oceano a ira
ecoava,
era uma escada
A palavra Doce
uma força
da lápide do túmulo da Besta
foi retirada
a ela nunca mais associada
Samarco, dizem os tetranetos
Falando com montanhas
ressuscitadas
É hoje menos que um fantasma,
O há o fundo de um novo oceano
com a água no lugar do ar
Industrias submersas significando
Museus do Nada
de um tempo onde
nossas lágrimas foram luz
até este em que
as crianças
já não pescam
caminham na água
e as pedras da ruas das cidades
são de ouro
não há além da amizade
outros tesouros
A besta foi vencida
como o Câncer
a usura é rara
por ela já
não se mata
Marcelo Ariel, autor do livro Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio (semifinalista Prêmio Oceanos, Editora Patuá, 2014) nasceu em Santos, em 1968 e vive em Cubatão. Poeta, performer e dramaturgo, é também autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008); Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco, 2010); O Céu no fundo do mar (Dulcinéia Catadora, 2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011); Teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove (Edições Caiçaras, 2012), entre outros.