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Ilustração:Mary Frabces Archer |
Enquanto espera
Por algum motivo cê tá com essa garota
batendo punheta pra outra
ela vê em seus olhos o vazio
como que um bicho sem cio
então te pergunta o que é que cê tem
cê diz que tá tudo bem
ela tem sido tão boa
mas você pensa em outra pessoa
ela te dá tanto carinho
mas cê só precisa ficar sozinho
remoendo destroços de nada
secando garrafas furadas
se emocionando com baladas no rádio
chorando feito um otário
Daí cê diz pra ela
que ainda pensa naquela guria
que num é uma boa companhia
que vai ser melhor assim
que os erros terminam no fim
Agora sozinho,
cê se sente tão só
tipo ressaca de pó
esperando ela voltar
ou então o mundo acabar
dispensando convites de amigos
relendo romances antigos
imaginando que ela tá dando pra outro
e não lembra de você nem um pouco
Por isso cê reza baixinho
pro diabo te mostrar o caminho
daria tua alma em sacrifício
pra que tudo voltasse ao início
ou pra que todas essas ninfetas
deixassem de parecer
meras bucetas
Sempre
poemas sobre chuva
desolação
caras bebendo sozinhos
mulheres malucas
É tudo que sempre escrevi
poemas sobre últimos cigarros
copos vazios
solidão
sujeitos que nunca venceram
É tudo que sempre escrevi
poemas que se tornam blues
personagens que morrem no fim
bêbados
vagabundos
quartinhos sujos
mofo
É tudo que sempre escrevi
poemas que cheiram sexo
repletos de palavras obscenas
sem rimas
violência
É tudo que sempre escrevi
É que eu sempre gostei de escrever:
sobre o AMOR.
Sexta-feira
Hoje é sexta-feira
E eu não vou lembrar de você
É dia de te esquecer
Me esquecer nuns goles de whisky vagabundo
Hoje eu vou fundo
Falar besteira com os amigos
Recitar poesias pras gurias
Encontrar uma que teja a fim
Que queira dar pra mim
O que você não pode mais
Hoje é sexta-feira
E eu vou beber, talvez cair
Até você sumir
Hoje eu vou de rock androll, baby
Matar minha sede em salivas alheias
De Jéssicas, Carolinas, Patrícias
Tanto faz
Tem aquela loirinha do olhão
Satanic girl de plantão
E aquela morena demoníaca
Com quem rola a mó química
Hoje você não tem vez, meu amor
Hoje é rock inglês
Hoje é só um blues despedaçante
Acordes dissonantes
Você virando poeira
No meio da minha bebedeira
Porque hoje
É sexta-feira
...
Caralho, alguma coisa deu errado
Já é sábado, meu whisky batizado
Seu telefone não para de tocar
Sou eu ligando a cobrar
Cê tava dormindo?
Não, não faço ideia de que horas são
Só liguei pra te dizer...
Ela nunca vai entender
Avenidas em zig-zag
Cê sabe,
Palavras se enroscam, tropeçam e caem
Tudo em mim menor
Não sei o que é pior
O fim da noite ou o início do dia
Melancolia e a coisa toda
Que se foda
Sapatos na cama
Esquecer quem cê ama
Tudo em vão
Vômito no chão
Domingo é ressaca e filmes pornôs
Nas segundas-feiras
Eu sinto saudades dum antigo amor
Tchau, amor
Talvez eu assuma meu blefe
Talvez eu rasgue o baralho
Pare com a bebida
Perdoe minha tristeza
E caia na chuva
Pegue aquela curva
Que vai dar sabe-se onde
Talvez eu te telefone
No meio da noite
E gagueje clichês
E volte a sofrer
Talvez eu volte pros setenta
Pros chás, ervas e fungos
Talvez eu aprenda clarinete
Talvez eu caia fora
Pruma noitada de jazz sem volta
Talvez eu quebre todos os meus discos de blues
E rasgue toneladas de livros malditos
(pouco provável)
Talvez eu passe a frequentar festas chatas
E sorria simpático
Pra amebas em trajes da moda
Talvez eu assalte um banco
E vá viver no México
Talvez eu me candidate a vereador
(Não, isso nunca!)
Talvez eu faça uma merda
Maior que as anteriores
E vá parar na cadeia, num hospício
Numa igreja
Talvez Jesus toque meu coração
Como eles dizem por aí
Talvez eu siga por toda a eternidade
Sempre trocando
Uma fuga por outra
Um vício por outro
Um copo por outro
Talvez eu encha a cara e escreva
Mais um romance
Ou mergulhe noutra noia qualquer
Talvez eu volte
Aos trash-metal oitentistas
Destilados baratos
E comprimidos de anfetamina
Talvez essa noite
Me lembre
Duma antiga oração infantil
Sobre anjos e sonhos bons
Talvez eu quisesse acreditar
Na merda toda
Talvez eu continue
Como o cacto no vasinho
Em cima da geladeira
Talvez
(é bem provável)
Eu só esqueço o AMOR.
Qualquer coisa parecida com loucura
ou amor, tanto faz
Essas coisas malucas que me pego fazendo
sei lá se pra afastar o tédio
ou por alguma insanidade mental
provavelmente é só porque bêbado e
sozinho demais
Coisas como dar jabs certeiros
na cara de adversários invisíveis
no meio da sala
pego meu violão sem duas cordas
e fico brincando
de Jimmi Hendrix
Ou quando digito na velha máquina de escrever
cartas endereçadas a você, que sei:
jamais te enviarei
tenho uma coleção delas
As histórias que invento
não escrevo, nem conto pra ninguém
simplesmente acredito nelas
Esses dias,
me apaixonei por uma operadora de caixa
no supermercado às sete da manhã
era uma gordinha de vesgos olhos tristes
me apaixonei pela tristeza daqueles olhos tortos
Numa das cartas,
burguesamente te acusei de egoísmo
noutras tantas te mandei enfiar a amizade no cu
sei lá, fico pensando agora
que nessas horas você é o adversário imaginário
a quem eu jabeio
Eu te amo
aquele riffzinho matador de Voodoo Child
num para de solar na minha cabeça
O amor enlouquece
Kleber Felix, 30 anos.Queria ser guitarrista ou cantor de blues, mas não passa duma espécie de hiperativo- preguiçoso. Nasceu em Birigui-SP. Atualmente vive em São José do Rio Preto- SP. Em 2008 criou o selo independente BAR editora por onde publicou contos, peças teatrais, poemas e um romance de sua autoria, dentre outros títulos de amigos. É editor e colunista do Jornal Literário Elefante de Menta. Seu mais recente trabalho, o romance Fantasmas não respeitam geografia saiu pela editora Kazuá em 2015. Escreve no blog: www.deumjeitoblues.blogspot.com