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Harbour's Mouth, (1842) - William Turner |
PORTULANO
deixa que o tempo ternure sobre
nossos mapas
nossas órbitas noturnas por entre as
águas inominadas
— deixa — a beleza ondula em nós
um balé bélico
a fluir no fogo cego de cada ilha
e vulcão do corpo
— deixa que o velho vinho das vozes
navegue lentamente
as altas latitudes do sangue — e leve
consigo
a cítara profunda dos tesouros e das
terras prometidas
a cada vela virgem atracada ao
nácar da carne
— e em seguida virão o halo
e o licor das coisas
escoando até as praias primeiras
de nosso nome
onde ergueremos brancas grutas
para a idade
— em seguida os instrumentos líricos
da lembrança
e nós circulando o leite celeste
desse arquipélago
sorvendo para sempre o oxigênio
e o sal dos devires
nossos mapas
nossas órbitas noturnas por entre as
águas inominadas
— deixa — a beleza ondula em nós
um balé bélico
a fluir no fogo cego de cada ilha
e vulcão do corpo
— deixa que o velho vinho das vozes
navegue lentamente
as altas latitudes do sangue — e leve
consigo
a cítara profunda dos tesouros e das
terras prometidas
a cada vela virgem atracada ao
nácar da carne
— e em seguida virão o halo
e o licor das coisas
escoando até as praias primeiras
de nosso nome
onde ergueremos brancas grutas
para a idade
— em seguida os instrumentos líricos
da lembrança
e nós circulando o leite celeste
desse arquipélago
sorvendo para sempre o oxigênio
e o sal dos devires
DIÁFANO
há dias
em que o horizonte desponta
em nossas bocas e podemos
beber a saliva profunda
em que o horizonte desponta
em nossas bocas e podemos
beber a saliva profunda
do azul — há dias nos quais
acreditamos cegamente
na existência do sol
acreditamos cegamente
na existência do sol
O PRIMEIRO MINUTO DO MEDO
o primeiro minuto do medo foi um horizonte pleno de ferro
a paisagem do peito era um anjo desgarrado
desaparecendo no ovo cego da noite
nesse minuto mineral nós fomos a peste
devorando o metal opaco do tempo
nos vinha o sangue feito um sino dissonante
e o sonho era a serpente púrpura sobre nossas testas
éramos então essas brancas formas de bronze
nossas cabeças sem face se reconheciam
no impenetrável espelho das pedras
e o firme arame do enigma
nosentardecia as vértebrasa navalhas
pendendo à guilhotina galopante do grito
o primeiro minuto do medo foi essa imensa tarântula
que nos percorria a pele inteira
florindo um fantasma de febre em couro vivo
e num estrondo o espírito vomitando o carvão dos corvos
a nos mastigar em graça as velhas sombras
e os corpos embebidos no ígneo absinto do absoluto
PRINCÍPIO
visto aquelas tardes feito a verdadeira pele
voz adentro corre o vinho leve dos vitrais
atravessados na face os jardins do éden
e o sangue deságua num desfile de deuses
eu fio um par de asas nas costas do infinito
e toda a pólvora pulando em meu espírito
treme sob o imenso quilate daqueles olhos
essas caleidoscópicas pétalas obsidianas
que antecipam a noite e o sonho e o abismo
voz adentro corre o vinho leve dos vitrais
atravessados na face os jardins do éden
e o sangue deságua num desfile de deuses
eu fio um par de asas nas costas do infinito
e toda a pólvora pulando em meu espírito
treme sob o imenso quilate daqueles olhos
essas caleidoscópicas pétalas obsidianas
que antecipam a noite e o sonho e o abismo
INCÊNDIO
há sete noites um incêndio me bagunça a testa
entrincheirado num corpo estrangeiro
ao dorso ainda verde da memória
há sete noites o ridículo cardíaco
me ritualiza as veias quais relógios
já nem o dedo caudaloso de um deus demente
pode contra o policromo incêndio
que aqui acampa o mercúrio dos encantos
há noites sete arcanjos sonâmbulos me visitam
e me torpedeiam sonhos combustíveis
pelas rubras chaminés do instante
sete línguas de fogo beijam a noite em minha boca
na pele profunda o ouro fino da fome
e eu acordo para o teto entardecido
e me espatifo sem fôlego na ficção da carne
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João Manoel Nonato é carioca de 1992, bacharel em Ciências Sociais pela PUC-Rio e, dizem, poeta. Acaba de lembrar que não sabe falar de si mesmo tão bem assim.
E-mail: joaomnonato@gmail.com
Blog: joaomnonato.blogspot.com.br