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"Encomenda-se um poema que caiba dentro do cano de um calibre 12" - explosão de palavras em Dália Éstes

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Encomenda-se um poema que caiba dentro do cano de um calibre 12: encomenda-se a fantasia da tua morte ou ela própria - o que vem a ser a mesma coisa. Encomenda-se um esquecimento tão forte que me leve ao gozo: um tingimento de vermelho nos sonhos: a água escorrendo as mentiras - tão suave: meu corpo nu fazendo o delicado serviço de te: decepcionar. Não há poema.

***

Língua de vagabunda ferida: em lapso holístico: em corte cirúrgico de patologias da fala - língua de vagabunda com sede - em queda na areia do: deserto do Saara. Língua de mulherzinha alcoolizada: discursando mágoas, alaminutas solitárias: presentes de domingo. Língua de resina - pálida - a palavra oca - trincada no meio - no seu orifício genital - língua de ejacular na insegurança - oral de pobre de espírito. Boca fechada: com argamassa no céu - da boca - o pássaro: empalado: empalavrado: disfarçado de demônio: choro cítrico: conta gota - placebo melancólico de amores perdidos - chora, querido, chora e voa - e bate a cabeça no céu da boca, e bate o pau de quem tu ama - e engole o choro em seguida: um edifício de palavras conduzido à saída de emergência do corpo: faço amor, canto, voo: digo

***

Escrever mil poemas: vestir um surto: chorar lágrimas de 850 gramas: respirar ao avesso: somente um ar viciado do próprio peito: esta sou eu. Esquecer que existe um outro: esta sou eu. Esquecer que existe o mundo: esta sou eu. Amarrada com trinta e cinco nós diferentes, numa corda chamada corpo: por um minuto achei que tu me desatasse, que soprasse minha pele, em todo canto, em todo continente: então: tu me amarra de novo. E eu, escrevo mais mil poemas: visto um surto: choro 987 gramas de: coração apertado. Então o poema me amarra, eu o sopro: o amo: mas ele me amarra. 

***

Vim te achar, duro e melancólico: sob minhas pernas: um olhar consentindo meu rasgo sentimental: pouso minhas palavras sobre escombros: os teus, já não estou morta. Tuas mãos terminam de despedaçar minhas histórias: sou um caminho erótico a ser marcado com pão: roubado pelo pássaro: estou detida na antessala do inferno: estou silenciosamente esperando a minha vez de morrer: exceto à noite: o silêncio tem muita raiva de mim à noite.

***


Uma célula quebrada: teu blues caído no chão, o teu whisky derretendo o gelo tão lentamente, um esquecimento. Meu ovário rompido: oldfashionedmelancholy, meu armário de desilusões, as roupas vestindo o vazio, uma crimescene derretendo meu corpo tão lentamente, você alcoolizado, você em blues isolado de mim. Meu choro em preto e branco: trilhando corredores do teu apartamento, eu bebendo teu gelo com gosto de álcool isolado do julgamento, alheio ao significado do gozo, teu armário de ícones negros, estrangeirismo de precisão poética, a janela aberta na terceira hora da noite, meu corpo na arquitetura noir das tuas mãos: o suspense da língua na boca: o cheiro do meu pescoço enforcando teu olfato. As linhas da tua história em aberto, assim os botões da tua camisa, que cobrem meus seios. E o silêncio sobe como a névoa.

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Dália Éstes, de Passo Fundo RS, nascida em 1986, atualmente cursando psicologia. Mantém o blog com suas poesias: hideinbriarcliff.blogspot.com e recentemente um com participação de diversos autores walkinginbriarcliff.blogspot.com

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