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3 POEMAS DE DENISE FREITAS

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Os dias de janeiro

Terra natal era a casa de minha avó
com seu salso-chorão pesado que pra mim
era a tristeza toda e a dor de todo mundo.
Também a aparição do mar, de embarcações

e de rajadas trazendo a aridez das dunas
para dentro dos olhos, sobre outro horizonte.
A descoberta da longitude traçando
um lugar de interstício. Os dias de janeiro:

um intervalo para cada nascimento.
Depois deles, retorno à vida de costume
onde sempre era fácil alcançar o céu

que por inteiro então cabia numa nuvem
firme e quase redonda em risco azul de giz
gravada no chão breve de qualquer calçada.
  


  
Outras coisas cortam

Umas quantas sombras, leva, atravessam todo território.
Centenas de corpos muito mais que sombras aterroram
massacres e a tonelada de equívocos que os acompanha.

Ainda assim, sobram outras coisas sob o fumo das gentes.

Perto dali, crianças andam ruas onde não há calçada; no mesmo
caminho, uma delas cruza manhãs e restos que não são seus.
Sobra para ela, que leve, seu rumo frágil e de mais dois irmãos.

Ainda assim, pesam outras coisas sobre o sono das gentes.

O solo se desdobra, reveza de alto a raso o escuro líquido
que corre ao lado. Dentro desse veio adormece outro rio-rastro
todo força revestida daquilo que de hora em hora desiste.

Ainda assim, outras coisas cortam desde o leito das gentes.

No fim da tarde, meninas trocam entre si alguns enfeites.
Como quem fala histórias de assombro, ensinam umas às outras
truques de evitar estupros, e o que há nas cadeias, e nas bocas.

Ainda assim, sempre mais ilusão recobre o horror das gentes.



  
O ponto mais remoto

Apenas esse silêncio poderia dizer
onde aqueles olhos de cortina espessa
cerravam-se ao redor de todo mundo, exceto
do ponto mais remoto e irremediável à conquista
que qualquer outro. Um silêncio sem
vestígio capaz de anular o dia inteiro
e mais alguns. Um silêncio escamoteado
camuflando o ordinário das circunstâncias.

Desde a superfície até o fim, o tudomesmo
compatível com a eternidade de que não dispunha;
mais que um despropósito,
desperdício acomodado ao som recluso,

pois seu esforço dizia essas e tantas outras
inquietudes e era como se não houvesse dito.




Imagem: Erik Johansson



*    *    *





Denise Freitas nasceu emRioGrande (RS), em 1980. Escritora e Professora. É autora de Veio(2014); Mares inversos (2010); Misturando Memórias (2007). Possui publicações em revistas e sitesliterários, dentre os quais, Revista Sibila, Germina Literatura, MusaRara. Escreve em seu blog, "sísifo sem perdas".







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