Santa SEXTA
na calada da noite
no pé d'ouvido da madrugada
dentes sibilando atrás da orelha
desnecessária
a palavra cala
nos dedos deslizando pelas costas
omoplatas vértebras flancos
nas digitais que me lêem
sem pressa
pela pele que me arrepia
em suspiros expiro e sôo
sou mais eu
inteira em suas mãos
uma no gatilho
outra no coração
boca na minha nuca
pau entre as minhas coxas
me arrocha forte morde machuca
me cheira me sorve me lambe me come
como se eu fosse a santa
ceia na sexta feira
depois deita em minha cama
como fosse a sua
me envolve com seus braços
como se fossem meus
adormece como se fosse um deus
e de manhã parte sem dizer um a-
deus
*
cada palavra que te sai boca
é uma gota
a molhar-me
pura poesia, Mallarmé?
só putaria
a melar-me
*
se é essa
pica dura
de amor
tua jura
eu juro
que acredito
me ajoelho
e rezo
o terço
no quarto
eu abdico
do mundo
e me dedico
ao ato
até deixar-te
farto
jorrar alto
no céu
sem cometas
palato mole
onde duro
tu vês estrelas
enquanto morres
*
desfilo
as marcas de amor
que você me deixou
no corpo
exibo
a carne viva
como o troféu
de quem te ganhou
e se perdeu
no seu
vão
*
antúrios em riste
orquídeas em flor
sexo ornamental
*
murmúrio no escuro
rastro do meu cio
só na sua boca silencio
Poemas de Lingua Brasa Carne Flor (Editora Patuá, 2015).
Imagens: Umbral dos Prazeres, Sofia Aquino Gomes
Artista polivalente, Iara Rennó teve a felicidade de nascer numa família extremamente musical e original, o clã Espíndola. Como compositora, teve músicas gravadas por dois dos maiores intérpretes da música brasileira, Elza Soares e Ney Matogrosso – ponto máximo dentre outras tantas interpretações excelentes. Idealizou e realizou projetos grandiosos como o espetáculo multi-mídia “Macunaíma Ópera Baile”, no Teatro Oficina Uzina Uzona, em 2010, baseado em seu disco Macunaíma Ópera Tupi (selo SESC, 2008), e “ORIKI in Corpore – Instalação Sonora” no Museu Afro Brasil (2009). Participou de diversos festivais, ganhou alguns prêmios, já dividiu o palco com os mais incríveis cantores e músicos desta terra brasilis, tem muitos parceiros e parcerias musicais. No início dos anos 2000 formou a DonaZica, banda com a qual lançou dois discos. Em 2012, com o coletivo “A.B.R.A. Pré-Ca” lançou o disco homônimo, de marchinhas carnavalescas autorais contemporâneas, e, no fim de 2013 apresentou “IARA” (Jóia Moderna), álbum com produção de Moreno Veloso. Além de tocar, cantar, atuar, dançar, dirigir, inventar, cozinhar, fazer massagem e seresta, foi jubilada em Letras pela FFLCH – USP. Língua Brasa Carne Flor (Editora Patuá,2015) é sua primeira aventura literária publicada.
Mais : www.iararenno.com
contato: iara.contatoprod@gmail.com