TECELAGEM TELÚRICA
por Salgado Maranhão
A telúrica poética de Nathan Sousa rasura a crosta do real, o terreno onde o imaginário se agarra ao elo das coisas fortuitas, não para permanecer, mas para usá-lo como espelho do onírico, manifesto no tear da linguagem. Sua voz inaugural, egressa da Geração 00, pertence a essa tribo de poetas que renasce liberta da rigidez das vanguardas doutrinárias – ainda que incorporando seus valiosos contributos – sem a obrigação de carregar bandeiras. Na busca de lavar a palavra de excessos, sem desidratá-la, surge um poeta atento às suas laterais e vizinhanças e às instantâneas “levadas” do agora no diálogo com a tradição.
De um modo ou de outro, minha breve análise se confirma nesse seu MOSTEIROS – o quarto livro de um poeta que chegou para ficar. Claro, há influências (Harold Bloom já nos libertou dessa angústia) prefiguradas em cuidadosas costuras referenciais que, longe de ofuscar sua voz própria, lhe dão sentido de linhagem e pertencimento. A obra, que está dividida em quatro segmentos, mantém uma unidade estilística, embora reverbere variados matizes temáticos, onde o cotidiano da cultura de massa funde-se a valores da cultura letrada. Nessa mescla de temperos verbais, estão desde as pequenas agruras da vida miúda (“Se bem pensarmos/são nessas/horas que paramos para furar os calos”) às tensões do mundo globalizado ou à leveza de um lirismo sutil (“Saberei sorver/tuas relíquias/desabrigadas/sobre as folhas/que a cidade/ ignora”).
Poucos são os poetas, entre os novos, que praticam a poesia com tamanha disciplina e acuidade, buscando integrar a epifania do instante revelado à etiologia do elemento poético. Neste MOSTEIROS, podemos ver, com clareza, que não se trata de um livro de amador. Aqui, a motivação primal aporta no que há de mais nobre na poesia do ocidente. Nathan Sousa (dando continuidade aos lançamentos anteriores) reafirma-se como uma das mais representativas vozes da sua geração. Tanto pela sua qualidade quanto pelo seu compromisso com a palavra, numa entrega sem retorno, como ele próprio define: (“Sou dos que recriam a identidade/sob os escombros do hospício/ainda que tudo em mim/seja mergulho ou precipício”).
MERIDIANO
Falava sempre no Oriente, nos assombros
e prodígios de sua gente acostumada à
idade do tempo; no extravio das brumas
dilaceradas, sem que nenhuma arroio
irreparável competisse com a vida (quase
sempre irreparável também).
Amava com um ardor sem sentido.
Causava-lhe enfado ver sentido em tudo.
Alargou-se na cama fumando, de toalhas,
acalorando um cigarro na guimba do outro
para lhe dar tempo de completar a imagem
que ele sabia extensa e complexa, e pouco
antes das quatro da madrugada, quando um
galo distante provocou uma manhã precoce,
acendeu sobre o criado um incenso amadeirado,
respirou profundamente e pensou nas pernas
de Marta, nos seios de Marta, nas mãos
febris que sumiram com os acenos de adeus,
febris que sumiram com os acenos de adeus,
de Marta. Tentou Ioga algumas vezes, mas
nunca conseguiu meditar outro luto aberto.
* * *
Nathan Sousa (Teresina, 1973) é escritor, poeta, professor e letrista. Vencedor de vários prêmios literários. É autor dos livros O percurso das horas (Edições do Autor, 2012), No Limiar do Absurdo (LiteraCidade, 2013), Sobre a Transcendência do Silêncio (LiteraCidade, 2014), Um Esboço de Nudez (Penalux, 2014) e Mosteiros (Penalux, 2015). É membro da Academia de Letras do Médio Parnaíba.