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6 poemas de Ricardo Coquet

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Ilustração: Girolamo



ESSA LUZ


Essa luz que vem da rua
É um fino exemplo da matéria que apalpo:
Tempo e ar.

E há um leve orquidário que contemplo
Quando o ar (grande traçado)
Deixa ver o que no dia se trama:
Céu e mar.

E no véu que envolve o dia,
Percebo uma intensa escrita,
Longo círculo polar.



MILHO


Igual ao milho de Cora Coralina,
Sou a planta primária da lavoura.
Sou o ouro da mina que se perde.
O brilho que se desdoura.
Sou o sêmen que não se propaga
Ou se degola sem pena.
Sou o corpo no círculo fechado,
circunspecto.
Sei que não tenho a eternidade
Dos outros. Nem o talento
De Clarice Lispector.

Falta pouco pra fechar o soneto

E o silêncio me sobra.



VELHO ANIMAL


Procuro no rosto
O que restou do tempo. No espelho
Disfarço aquela mecha gris.
Ninguém diz, mas sou idoso oficial.
Estou quase completo: um velho animal
Que vai atrás dos ventos.
Sobrevivo ao tempo mais remoto.
Nada lembro e não murmuro.
Apenas tento entender
Esses meandros escuros.

O orgulho que me faz risonho
É real ou é apenas
O abismo?



Ilustração: Onur Korkmaz



CAIS


Tenho medo do cais
De onde viestes
E para onde vais
Quando amanhece

Tenho medo do ar
Que respirastes
Quando o sonho estava morto

Tenho medo do mar
Em que afogastes
As estrelas do teu corpo. 



UMBRAIS


Trabalho com insumos,
E com as pedras
Que sustentam o lago.

Com mãos molhadas
Umedeço as cordas
Que permitem
Vibrar tão alto
Esses varais.

Não tento segurar os ventos.
Com meu próprio
Corpo sou pilar dos tempos
E do zinco.
Meu sustento
Retiro dos umbrais.



ESPELHO


O verso desse espelho
não se explica senão pela
faca que o toca.
E que lhe fende a fina
superfície intacta.

Em se olhando, se revela
a contraparte estática.
Tão amolado é o fio que a verte.
Tão afiada a lâmina do corte.
A face do espelho está
oculta no vértice.
Ao fitá-lo, vê-se
que o habita o traço.
Que o ocupa
a intocada face
de outro espelho.
De outro espaço que,
ao ser tocado, emite o som
do  inverossímil teclado.
O espelho é seu
próprio relâmpago.
Seu próprio
Introvertido cofre.



Ricardo Coquet é autor do livro de poemas Underplayground  (Editora Patuá): Nascimento 20 de março de 1937. Repórter noJornal do Brasil e Correio da Manhã, no Rio. No Jornal do Commercio, foi crítico de música popular e manteve uma coluna que não se identificava com o “sucesso”. Nessa época, começou com a poesia e publicou  os primeiros poemas nos suplementos dominicais do JC. 
Em São Paulo desde 1973, caiu na Assessoria de Imprensa e nunca deixou esse ofício. O único intervalo foi como gerente de propaganda da Duratex. 
É  atualmente assessor de Imprensa do Grupo Hubert.  Sempre ganhou a vida escrevendo. “Sou radical: não aceito o “afinal”, o “por exemplo” e o “ou seja”. 
Depois de escrever alguns contos ficou de vez  no poema. “Procuro fazer uma poesia não verbal, com uma estética específica desse tipo de arte. Isso existe?”
Na opinião de Coquet, existe. Mas não tem regras claras. É  limbo, paixão e Carnaval. Ele esquece a poesia quando ouve Johnny Alf e certos temas  de jazz. 
Diz que, se alguém pode fugir dos parâmetros – mesmo linguísticos – pode fazer boa poesia. E boa música. Essa pode ser a verdadeira arte lado b. Underplaygrond é seu único livro. “Não haverá outro. Não haverá tempo”, arrisca

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