LEIA ANTES DE USAR
não, aqui não há lugares reservados
[de antemão já lhe adianto:
nem adianta olhar para os lados]
o ambiente não é climatizado
os assentos não são flutuantes
e máscaras de oxigênio
não cairão
sobre suas cabeças
para sua segurança e conveniência
informamos que a vida
não vem equipada
com saídas
de emergência
CORTE
a faca em punho
a alma em riste
e uma só jura:
nunca mais
voltaria a ser
aquela tola
de hoje em diante
choraria apenas
pelas cebolas
RÉQUIEM
queimei a nau
voltei a nado
nas mãos,
um cansaço de âncoras
e o silente peso
dos fins
declaro este
o último naufrágio
de mim
AO LAURO DO TELEMARKETING
não, eu não quero nenhum cartão
a não ser que você me envie um daqueles antigos
escritos à mão
(já reparou como ninguém manda mais cartão
seja natal, páscoa ou postal?
agora é só e-mail, comentário e post no mural)
lauro, a vida já anda tão gasta
não quero nada que me faça
gastar o que não tenho, obrigada
não me fale sobre os juros, não quero saber sobre juros
eu quero as juras, lauro, apenas as juras de amor!
ainda que um dia elas possam se quebrar...
se até a bolsa quebra, por que seriam as juras inquebrantáveis?
não, lauro, da bolsa de valores nada sei, porém
carrego uns versos
dentro da minha bolsa de couro sintético, pode ser?
estive em wall street, é verdade, mas saí sem entender
quase nada daquela parte da cidade
no entanto, lauro, eu sei tudo sobre os hábitos
dos esquilos que habitam o central park
confesso: não compreendo os índices financeiros
mas manuseio o índice de um livro como ninguém
(contos são tão melhores do que contas...)
lauro, nada que custe os olhos da cara
se compara ao olhar de quem a gente gosta
que é de graça
e essa é a graça da coisa
e hoje em dia tem tanta coisa valendo mais do que gente...
se estivesse vivo, acho que marx reescreveria o capital
não me leve a mal, lauro, não sou hipócrita
a gente precisa de dinheiro, eu bem sei
e a vida não tá fácil pra ninguém
porém, pra ser bem sincera
essa coisa de consumir
já não me consome mais
e ultimamente não há dinheiro no mundo que pague
o preço da minha paz
lauro, tá bem frio aqui do outro lado do fio
é sábado de manhã e eu não durmo há semanas
então, me dá licença que agora vou desligar
e voltar pra minha cama
Germana Zanettini (Porto Alegre, 1984) é poeta, tradutora e jornalista. Selecionada em alguns concursos literários de expressão nacional, tem poemas nas paredes de ônibus e trens de Porto Alegre e participações em antologias e revistas literárias. Em 2015 lança “Eletrocardiodrama”, seu primeiro livro individual. Contato: ge.zanettini@gmail.com
Fotografia da autora: Marco Prass
Ilustração: Ray Caesar