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Alvéolos Desaveludados - Guilherme Gontijo Flores

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Ricardo Pozzo vem se tornando uma espécie de figura-emblema, ou baluarte-vivo da poesia feita em curitiba, pelo seu trabalho não só de poeta, como também de agitador, performador, incentivador ou mesmo de incitador poético. felizmente, ou mallarmaicamente, tudo acaba em livro & aqui nós temos a primeira coleção da sua poesia por uma editora.
porém mais importante aqui é ver como seu projeto de poesia encontra a sua fotografia para formar uma visão poética da realidade contemporânea: nos dois trabalhos, o indivíduo aparece devorado pela cidade; em vez da diversão antropofágica oswaldiana (lembram  que “a alegria é a prova dos nove”?), estamos diante de uma figura fendida no espaço, ou melhor dizendo, de uma figura que não passa de restos da trituração urbana — “urbefagia” é o conceito de uma série de fotos que ele já publicou. daí que restem como autorrepresentação imagens como “é desgosto meu hálito de alcatrão”, ou a figura de uma “onça desonçada” no centro da cidade, tudo entremeado por monges incinerados, crianças esquartejadas numa mala dentro da rodoviária, vítimas de explosões, rasgos de mitos, informações científicas, afetos pessoais,de vítimas da mídia &da insônia, da própria vida. assim, na falta do banquete da vida, parece nos cabe apenas “comer com os olhos banquetes sobre a mesa”, virar-se com as migalhas da experiência contemporânea diante dos “cães hidrófobos”, ou dos “semáforos vertiginosos” que emolduram o cotidiano, sabendo na pele que o “cão que ladra morre”.
só que o desconsolo da sua poesia é irremediável apenas na aparência. pozzo não cede ante as migalhas da vida, mas constrói dessas migalhas uma est-ética também em frangalhos que pode causar aquele incômodo em que se funda o poético. como ele mesmo nos dá a dica, é melhor “abdicar do rigor da higiene”, mas apenas se for para “aguentar as consequências”, ou seja, enfrentar a voracidade citadina no seu âmago — não na margem da fuga. em parte, esse projeto me faz pensar na obra de Joseph Beuÿs, com suas construções feitas de gordura animal & feltro: o cheiro que inevitavelmente precisa subir & incidir sobre quem observa a obra, a animalidade que deve tomar conta daquele ambiente excessivamente civilizado por meio da visualidade experimentada da decomposição da obra por ser ela também orgânica, tudo isso derivado de uma necessidade de reanimalizar o centro urbano, para revigorar o homem. na dúvida, “aperte o gatilho para saber que você está vivo”, ninguém disse que seria fácil.



guilherme gontijo flores (brasília, 1984) é poeta, professor e tradutor. estreiou com os poemas de brasa enganosa (2013), finalista do prêmio portugal brasil telecompublicou traduções de as janelas, seguidas de poemas em prosa franceses, de rainer maria rilke (em parceria com bruno d'abruzzo), e d'a anatomia da melancolia, de robert burton, em 4 volumes (prêmio apca de melhor tradução e prêmio jabuti de tradução 2014). 

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