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EUTRAS CORRESPONDÊNCIAS: Carta III – A ORIGEM DO MUNDO

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EUTRAS CORRESPONDÊNCIAS: Carta III – A ORIGEM DO MUNDO


ALEX DAVID:
Sabine, Sabina, Sabida, Sábia, Binária Sibila hmm, o seu nome é divertido.

Tenho não pensado sobre a origem do mundo, o que me leva ao assassinato de umas coisas sem nome, e eu nem sequer sei o que eu quero dizer com isso, mas sinto que é importante.
Outro dia, assistindo a um filme, recebi uma Sabida interpretação do Diabo sobre aquela história de no início era o Verbo: no início era o Verbo, diz o Diabo, significa que no início era o contrato e/ou a aposta e/ou a venda da alma, e o Diabo sabe muito bem que alma é uma metonímia do corpo, isto é, um aclive ou um declive importante para alguém no corpo de outro alguém.

Achei interessante, mas um pouco chata essa ideia, confesso que o diabo me decepcionou um pouco — não bastasse os seres existentes, agora os inexistentes deram pra ser aborrecidos e conservadores. Prefiro uma outra versão, que constata que, seja no Gênesis, seja na Ilíada, no ínício era a Buceta. O que iniciou a Guerra de Tróia, o que extraiu o homem daquela zona temperada e aborrecida, chamada de Paraíso, e o lançou nessa coisa babélica, infernóide e interessante chamada história?
Logo, o contrato, a aposta, a venda e até o Diabo (que nos carregue ou não) são secundários com relação à buceta — antes dessa, que sentido poderia haver para contrato, aposta e/ou venda? E guerra então, guerrear-se-ia por que causa?

Bom, tudo que eu disse acima, me parece meio falso, mas talvez seja um começo de algo válido, ou pelo menos divertido, sobre os começos, as origens. Bom, estou meio linear em excesso hoje, o que faz com que eu desconfie muito de qualquer coisa que me saia boca ou dedos afora.

Alex

SABINE:
Querido Alex, 

Fiquei um pouco confusa com a tua carta. Não sei se em razão de minhas doses de codeína ou se a comfusão vem de tua sedução com o realismo. Ou melhor, com Gustave Coubert.
Dizem os Millerianos que tal obra habitava a sala de Lacan (nunca confie nos Millerianos, rima com marcianos e eles também querem dominar a Terra). 
...
Houve um tempo em que pensei que para lidar com os pensamentos que me habitam deveria não só saber da minha criação como contribuir com a criação do mundo. Mas, em pouco tempo me entediei com a proximidade de Deus e resolvi que a paz (dos mortos) não me encantava. Poderia, então, brigar com Deus e (re)construir minhas origens? Acreditei seriamente que, para isso, precisaria aprender a escrever pois, considero-me uma pessoa que 'quase' escreve. Você me ajuda? O meu analista que me habita me disse "antigamente você acreditava que 'quase' transava também". Ou seja, virei uma mulher de fé!

Sabine

ALEX DAVID:
Sabine,

Nesta insone madrugada, resolvi retomar o assunto do início do mundo. Deixando Gustave Coubert à parte, uma coisa me parece certa, o corpo é o início do mundo. Primeiro veio o corpo, só depois o macho e a fêmea em pé. O verbo veio depois, mas de um modo que se inseriu antes. Certamente o Big Bang foi a grande explosão gerada pelas palavras, retroativamente, colidindo com o corpo. É isso: colisões.

O mundo começou com colisões, convulsões. Antes as coisas dormiam, sem sonho algum. As colisões, as convulsões geraram uma espécie de sistema nervoso das coisas, sistema nervoso conturbado, feito não de neurônios, mas de palavras e corpos e coisas gladiando como homens e leões um dia gladiaram só pelo gosto de o corpo se fazer em partes.
         Agora mesmo me ocorre a pergunta "Teria mesmo já o mundo começado"? Talvez não, talvez vivamos num prefácio de um livro em branco, inclusive sem título e autor, sobretudo sem autor. Ou talvez vivamos no roteiro de um filme não realizado, ou em um filme sem roteiro, em que as imagens transcorram só pela beleza de transcorrerem — transitoriedades.

Mmmmmm. Pela primeira vez, começo a gostar de farejar o início do mundo que talvez nem sequer tenha iniciado.

Beijos insones
Alex

SABINE:
Alex,

Fiquei intrigada com nossa conversa. Aliens antes adormecidos resolveram dançar.
A colisão de palavras com o corpo me agrada. A idéia me agrada.
Questiono-me, entretanto, se não seria uma colisão ainda maior. Corpos e palavras se colidindo a construir mundos. Pouco me importa saber de qual espécie de macacos viemos mas muito me interessa saber quando (e como) meu mundo se iniciou. Ou, como me lembra você, será que se iniciou?
Sinto-me, em vários momentos, 'quase-viva' (em outros 'quase-morta' também). Primeiro não acreditava em nada, depois, que era da categoria daquelas que detestam a sala de espera. Hoje, não sei mais em que acredito. Acompanhada de ‘Pessoa’(s), antes sabia que não sabia. Hoje, sequer sei que não sei. Ah, quanta irônia!
Mas, sinto, o que garante que vivo.

Contei que lia o livro da Casa das Belas adormecidas? Belíssimo percurso fiz durante tal temporada. O horror tomou conta de mim quando fui pega no flagra identificada com o mais puro dos dejetos. Quando tempo dormi? Não sei.  Mas sei que fiz parte de uma coleção de bonecas de porcelana que depois soube ser minha. Isso sim foi uma verdadeira coleção reflexiva!

Concordo com Milton Hatoum quando ele responde a questão de sua posição como autor. Disse-me que ou ele age como um verdadeiro apaixonado que joga todas as suas fichas em sua estória ou ela não funcionará. De qual estória será que ele fala? Quantos são aqueles que não se interrogam sobre sua origem e perdem a possibilidade de saberem-se vivos? Conheci vários. Os da categoria das pessoas jogadas para dentro, como dizíamos anteriormente. Sim, o anterior mente! Nunca confie na tua suposta vida narrada por seus anteriores. Creio ser mais próximo de um posterior desejo. 

Afinal, como me ensinou um amigo mineiro que conheci no Grande Sertão e tive com ele minhas Primeiras estórias, o fato se dissolve.

Finalmente, ou vivemos a fim de ultrapassarmos nossos limites ou não vivemos. Radical como soa para uma Bela Adormecida.
Beijos,
Sabine



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