/ por Elias Balthazar /
Coágulos
Noite, manto, mito, minto
Cor, escura, curta, muda
Vidro, azul e véu
Frio, cricrilo, sapo, acuda
Preta, nua, crua e flor
Estrela, sonho, banho, amor
Saber, sabor, neon
Valsa, tango e dor
Caantiga da Caatinga
Para João Cabral de Melo Neto, voz póstuma
Ouvi a caantiga da caatinga
A caatinga é uma caantiga que nunca acaba,
triste como o berro do bode
Negra da cor da cabra
Por onde o sertão derramou sua seca
não restou gota nem pra chorar
Por toda parte tudo é Pedra
A água é Pedra, a luz é Pedra (condensada no ar)
A caantiga da caatinga
é uma caantiga sem caanção
É toda torta, toda seca
é toda insolação
A caantiga da caatinga
É o choro da pedra depois do arrebol
É a terra estalando
É sonho sem noite empedrado do sol
1
Quem tece a caantiga como quem tece a manhã
não tece sozinho, nem tece com rima
Tece-se à olhos rachados
a caantiga Severina
Não se compreende a caantiga sem se ver a caatinga
A caatinga é o que contém a caantiga
É toda deserta sem ao menos buquê de notas
é uma caantiga de muito esquecida de taanto que é antiga
E o que é a caantiga sem cor da caatinga,
sem monumento, sem rio, sem flor?
É uma caantiga sem vinga
Comida de amor
A caantiga da caatinga
Não é caanção pela terra
Nem é caanção pelo homem
É a caanção pela Pedra
(Menção honrosa no prêmio Sesc/RO de literatura 2011)
Sentença Leminskiana
Elias Balthazar é um vagabundo
Tem que ser matado à pau
Banido do mundo.
Sonho de mil nadas
As casas passaram por nós
todas com mil olhos
e mil bocas
Todas rangendo roucas
As velhas passaram por nós
todas com mil anos
mil panos,
Todas gemiam loucas
As horas passaram por nós
Por mil anos
com mil danos,
mas sempre poucas
Passamos mil vezes
mil laços em torno do nada
e nada laçamos
Mil vezes passamos
do dia pra noite
e nada encontramos
E quando passaram-se as mil vidas
de mil anos
e foram esquecidos meus mil nomes
e a última morte veio
arrebatar-me do estado de homem
fui mais um nada
que no nada se consome