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5 POEMAS DE "BIFURCAÇÕES", DE DEMETRIOS GALVÃO

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o que tatuo na pele
é louvação à carne.


vetor que rompe a derme
e afoga os poros.


estampa relíquias que altera
um relevo original.


corpo que se refaz
em emoções agudas.
  



  

bifurcações
ao som de the doors

os animais do inverno hoje são luas.
rubens zárate


bifurcar-se é inventar
um outro, outros...
figuras derivadas de uma cosmologia sem vértebras:
caçada com lança e espinhos
pescaria em céu domesticado.

           
a escritura diz:

desvendar o alimento que as águas oferecem
dominar o feitiço que existe no útero da lâmina.


estranha fibra que brota das rochas e se irmana nos tendões
luz da manhã amadurecida no pulmão-estufa
experiência selvagem de animal paterno.

bifurcar-se é multiplicar imagem no espelho opaco
exercício em águas inéditas
digestão de raízes lancinantes:
o olhar semiárido vislumbrou uma nova especiaria
fármaco e veneno extraídos da  febre de árvores púrpuras.


a voz aconselha:

arremesse as sementes da fé no leito orbital
no planeta maior mesopotâmico
na imensidão garganta da serpente luminosa.


o céu fecundo reproduz pássaros límpidos
o diafragma revela-se uma península de algaravias
estruturas semânticas cavalgam os pontos cardeais:
o verbo-candelabro cega quando pronunciado no escuro.

bifurcar-se é contorcer os ossos
duplicar as artérias no inconfessável
estender a musculatura na dobra sonante
equilibrar-se em movimentos de rotação e translação.


a experiência ensina:

o viveiro de moinhos potencializa o corpo oblíquo
o sangue caudaloso transborda o contorno original
e inunda o outro, no milagre da enchente,
na abundância mar da imaginação líquida.


útero incandescente banhado em larvas
a ternura amolece os pés:
continente que improvisa um arquipélago
na dispersão do zênite que se desfaz.


bifurcar-se é quando um filho inventa um pai.






 palavra-mágica


quando os pés adoecem
e esquecem os caminhos
o corpo precisa inventar voos.

os peixes nadam na profundidade da costela direita
na obscuridade do entre-ossos
migrando para o aconchego do litoral carnudo. 

(a língua quando bem plantada
atinge veios profundos
manancial voluptuoso de fabulações)

busco então, a sobrenatural beleza:
as ancas africanas, a envergadura monárquica,
a anatomia incendiária.

me visto de asas e de lâmpadas
e vou ao teu encontro
com uma palavra-mágica adornando os olhos.






 para uma criatura encantada vol. 7


não viveu na companhia de uma única pessoa
tinha uma movimentação instável.
seus meridianos quase sempre desalinhados
não favoreciam um mapa astral seguro, solar.

de personalidade selvagem, demonstrava uma simpatia sussurrada
frequentou uma escola nômade-heterodoxa
colecionava sermões do sub-mundo e liturgias marginais
quase nunca tinha bagagem e nem falava de sua família.

só teve lares de fantasia e uma casa que existia em sonho,
que lhe visitava com frequência, aquecendo sua esperança.
exibia um olhar ansioso e uma tristeza erosiva
se gabava das cicatrizes eloquentes.

em conversas, pronunciava sons graves, dissonantes.
nem sempre tinha razão
sabia quase nada de poesia, era displicente com as palavras
não se interessava pelas intimidades desbotadas dos outros
vivia a ambiguidade de um passado caótico e de um presente incerto.

foi a festas que tocavam david bowie, lou read e se embriagou
sua gentileza insólita era uma marca latente
carregava um fogo indolente como amuleto protetor
nunca foi a um médico. tratava suas dores com solidão-analgésico.


antes de desaparecer, comentou que a saudade é
privilégio dos que amam.






 ecos de uma luz distante


herdei um feudo obsoleto e
seu testamento ruidoso.

– um cabedal ralo:
tratado de honra, lar efêmero...

uma terra fatiada
que se divorciou do matrimônio das águas
para o plantio de flor-de-pedra.

– recanto de voz metálica
que abriga assombros.

insônia perpétua que viaja sem descanso
ignorando as gerações em ritmo bárbaro.

– ecos de uma luz distante)))))))

por muito tempo
elaborei madrugadas em lábios rugosos
montei estandartes e
confeccionei máscaras para afogados.

o que herdei não se decifra
            – não há ganho –
se aposta diante do espelho.




Imagem: capa do livro "bifurcações" (2014, Patuá)


 *    *     *







Demetrios Galvãoé habitante da província de Teresina (PI) é historiador e poeta. Publicou os livros cavalo de tróia (2001), fractais semióticos (2005), insólito (2011), bifurcações (2014). Tem poemas publicados nas antologias massanova literatura (2007),  poematologia – os melhores novos poetas do brasil (2012) e em diversos portais e revistas. Atualmente é um dos editores da revista acrobata. 















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