cegueira
debaixo das unhas
tenho terra de cemitério
nas pontas dos dedos
cera de velas de sétimo dia
crianças corriam no parque
eu fazia a brincadeira do copo
coração de pedra lambido por ondas
que limam e deslizam
nos caracóis colados
— desgruda a concha e cutuca a carne mole
o pouco de amor ao próximo que me resta
gira enlouquecido num liquidificador
misturando Diet Shakee farinha de maracujá
sal grosso para me livrar das superstições
eu pego na sua mão como um espírito
outro dia se vai
ter de dormir me irrita mais
que os palhaços da Rua XV
vitamina de vulcão
crivada deSwarovskis
bebo chá com os fantasmas
1989
soube o sentido da dor: avante
sou feita de ossos funerários
estrelas mortas e flores ardidas
mormaço febril e desertos
magma que me transporta
a lembranças desidratadas
de álcool, tabaco, haxixe e anfetamina
ingenuidade acreditar em progresso
ninguém toca bumbo no meu terreiro
rock and rollmelancólico
liberta meu coração do tórax
para ser esmagado por um ônibus
— feito a cabeça de meu primo Johnny
literatura é urina, gozo, saliva, sangue
sou um Corvette estacionado na garagem
sou um Corvette nas curvas de Santos
aos 20 e poucos
já passei da idade de suicidar-me
animais de rua seguem-me como a uma andarilha
Priscila Merizzio