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DIVINOLÊNCIA

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Luís COSTA


I

Há lugares que parecem adormecidos
no tempo, há neles  algo de místico e ancestral,
tudo flui com delicadeza e magia,
como se o tempo tivesse parado,
como se nos encontrássemos  no centro da criação;
então, de vez em quando,
os sinos da torre da igreja batem a repique,
anunciando a morte de mais um ente,
talvez um ente amado,
fazendo-nos lembrar que afinal o tempo continua a fluir,
que as suas charruas profundas continuam,
secretamente,  a trabalhar na nossa carne.

e :

o dilúvio desce, e o corpo, como uma gasta
concha marinha, emerge estranho e belo.  ( 1 )

por isso: prepara a tua barca da morte, tem sempre
a barca preparada.

porque vais precisar dela. porque a viagem
do esquecimento está à tua espera.( 2 )

( 1 ) e ( 2 ): David Herbert Lawrence


II

DA MÚSICA

Hoje de manhã, quando caminhava pelas ruas embranquecidas
e geladas desta cidade medieval,  vi deus sentado ao canto de
uma esquina, chorando a sua própria inexistência.

e houve uma pessoa que perguntou: “o que é que se passa com ele? “

e houve outra que respondeu: “falta-lhe a música.“


III


Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...

                             Antero de Quental


Deus está sentado à minha frente
lúcido, olha-me com os seus olhos carcomidos.
deus é um oceano repleto de vazio, convulso,
uma árvore cortada dentro de mim.

deus, ou um cibório de sangue estático
onde, por vezes, me esqueço;
um deserto, a noite IN - habitável que
ao alto rumoreja , nas gárgulas.

insensível, deus habita a mudez
é a ausência que rompe a alma
do criminoso com um flash fetal.

criança velha que adormece ao canto
de cada esquina, deus –
a pedra da pedra, a não - madrugada.

 In: Caderno de Buridan


Pintura de Sofia Ribeiro

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