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7 POEMAS DA "FAZENDA DE CACOS", DE MARCELO BENINI

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Fazenda de cacos (o tempo)

Andemos perdidos por esses campos de flores
Onde a pele roça as pétalas no caminho estreito
O semeador de cacos fez um bom trabalho aqui
Nós, os desfigurados, corremos livres pelas plantações
Pisamos as pontas lavradas pela chuva
A mulher velha se abaixa para colher um souvenir
Em cada casa há um jarro com uma flor da fazenda
Belo mesmo é quando as gotas represam nas arestas
Onde o sol faz seu trabalho de secagem
E a plantação extensa ofusca os olhos
Miríades de pontas verdes, vermelhas, amarelas e azuis
Mar de coisas que já foram obra e adorno
Mas que na próspera fazenda agora semeadas

Aguardam a colheita diária dos cacos.




Assentamento

Com o tempo meus pensamentos criaram raízes
Porém ainda meus olhos eram livres
Até que meus olhos criaram raízes

Minha boca dizia coisas
Até que as palavras criaram raízes

Meus braços balançavam no vento
Minhas mãos remexiam uns cabelos bonitos e negros
Minhas mãos criaram raízes

Minhas pernas partiam
Nem bem amanhecia e minhas pernas partiam

Até criarem raízes.




Álcoois triunfais


Estás lasso da dolorosa luz
E desse mundo antigo das grandes lâmpadas elétricas
Que te tornaram parte dos besourinhos fosforescentes
Rodopias, rodopias

Estás lasso da usina velha, da tipografia
Do balir do sino
E das multidões fabricadas
Rodopias, rodopias

Estás lasso das odes desdentadas
Da mulher de mal com a poesia
- Café com pão -
Das engrenagens,  do maquinismo, dos ruídos
- Café com pão -
Das engenhosas soluções de ferro
- Café com pão -

Engoliste como verdade
As pequenas doses diárias de morfina
Rodopias, rodopias

Estás lasso do futuro
E dos fogos de artifício
Rodopias, intermitente besourinho.


 Citações dos poemas “Zona”(Guillaume Apollinaire), “Ode Triunfal” (Álvaro de Campos/F. Pessoa) e “Trem de Ferro” (Manuel Bandeira).

Brasília, out. 2013




Vagalumes


Às vezes chego a pensar se não és um desses bichinhos
Que acendem e apagam num piscar de olhos
O erro não está nessa intermitência que ora te faz luz
Ora te faz sombra

Quem erra sou eu que pisco sempre quando te iluminas.




Duas raivas

Não terá sido esse gracioso tobogã em teus lábios
Pois andávamos os dois pelo mundo
Levando, cada um, sua raiva
E o que verdadeiramente aconteceu foi que fomos tocados
E é tão bonito agora, quando passeamos de mãos dadas
Como se nossas raivas se esforçassem sobre-humanamente

Por acreditar no amor.




A necessidade da escravidão

Os trabalhos forçados
Os açoites
Os navios negreiros para dois
Senta o homem à mesa de jantar
E não sabe o que faz ali.




Cada batida na tecla do piano é uma ausência

Os vizinhos reclamam do barulho
Mas nunca reclamam do silêncio
Dos imensos vazios entre uma nota e outra
É neles que a pianista está gritando.




*    *    *






Marcelo Benini nasceu em 1970 na cidade de Cataguases, Minas Gerais, e hoje vive em Brasília. Lançou seu primeiro livro em 2010: O Capim Sobre o Coleiro (poesia / edição do autor). Em 2012 lançou O Homem Interdito (crônica / editora Intermeios – SP). Teve textos publicados na Alemanha pela fundação Lettrétage, na antologia Wir sind bereit, que reuniu 28 autores brasileiros então inéditos em língua alemã. Marcelo Benini tem poemas e crônicas publicados em diversos sites de literatura do Brasil e também na América Latina e Espanha. Acaba de lançar (2014) Fazenda de Cacos (poesia / editora Intermeios – SP), do qual vieram os poemas da presente seleta.








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