Observatório
esse estado estranho de espessas pedras
que mudam as cores das rimas
esse abuso da língua
que processa singularidades
em segredos cor-desnuvem
em dias de não chuva
é o absurdo que subtrai a percepção
ampla e imensa
gravada nos rochedos d’alma
quando se tem uma
pedra não é stone
com delicadeza e com a língua
conjugo o verbo homenagear
à memoria
em detalhes insignificantes do cotidiano
um amigo que caminha em minha direção
um fio de cabelo meu que cai
uma mosca percorrendo o céu
um punk lendo Nietzsche
penso que pedra não é stone
e
volto à presença do tempo fluido
caligrafia bruta e sem lapidação
como Sísifo, só que empurrando palavras no lugar das pedras.
rolam das minhas mãos uma a uma, rompem-se revelando falhas.
girando num devir-pedrae vocalizando perenidades em estado natural, porém manipulável.
aparentemente sólidas, repousam, pausam, repetem (-se)
numa possibilidade metafórica
avalanchando páginas de um corpo de papel.
“como escrevo de uma fissura”
procuro através de um microscópio petráfico
uma oralidade.
a qual sobreviva a regiões desérticas
re-significando aridez em pensamentos pedra palavra pedra.
ausente a qualquer cartografia literária
habitando em solos sedimentados/alquímicos e universos minerais.
Fran Ferreira
Ilustração: deviantART